domingo, 31 de outubro de 2010

Embrulhei os meus sonhos

Maria Aguiar

Embrulhei os meus sonhos e convicções em caixas forradas a cetim, enterrei-os numa vala comum onde todas as utopias envelhecidas e ânsias de rio esquecidas acendem o pavio do fim, rasguei a anipnia de cada vez que para o papel remetia o hodierno, as cidades rasgadas de concreto, os sem abrigo, os sem tecto, mastiguei a exclusão amordaçada, a memória de uma pena sem glória dos poetas que conheci, que com um copo de vinho barato faziam da palavra a honra e o trato, desembrulhei madrugadas em lutos e contendas com o tempo que corria apressado nas telhas do meu telhado e rompi a poesia na magia da maturação, a metáfora do meu chão, desbravei horas bravias nas terras baldias, da excruciação e da palavra fiz a voz da solidão, na primeira pessoa!

(Ilustração - pormenor de quadro de Adão Cruz)

1 comentário:

  1. Uma nova colaboradora, aumentando a quota feminina de participação, é sempre uma boa notícia. Por maioria de razão, se a qualidade da sua colaboração for elevada, como é o caso.
    Seja bem-vinda Maria Aguiar.

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