Cena 17
A hipocrisia
( com as imagens dos assassinatos em fundo, os oradores avançam)
Gastão Melo Matos
É preciso parar esta iniquidade. Os bárbaros crimes do 19 de Outubro não podem sair da nossa memória. A Nação está revoltada e exige justiça. Mas, quem são os culpados? Quem arrastou o nosso país para uma sucessão infindável de tragédias e crimes? Foram estes republicanos, estes maçónicos sempre agitando a revolução.( Apoiado! Apoiado!)
São esses oficiais obscuros e despeitados, chefiados por esse Coelho do 31 de Janeiro, um demagogo que prega a honestidade e deixa os seus homens matarem António Granjo, o chefe do Governo, Machado Santos, Carlos da Maia e outros vultos imperecíveis da República! São eles que têm de enfrentar a lei! É o que este povo reclama, sedento de justiça e de verdade na vida pública!
( aplausos. Bravos)
Carlos Pereira
Que gente é esta que nos envergonha perante as nações civilizadas da Europa? Que republicanos são estes que matam os seus próprios correligionários? Que partidos são estes que só espalham a desordem e mergulham a nação num caos sangrento de que dificilmente se curará?
Levantemo-nos contra esta vergonha. Desarmemos a Guarda Republicana, esta força ilegal que amedronta o Exército, que domina o Presidente da República e o Parlamento, e que serve de capa protectora aos sinistros desmandos anarquistas e bolchevistas
Regeneremos Portugal. É preciso limpar a mancha repugnante que se abateu sobre a Nação! Viva Portugal!
( Aplausos. Viva a Nação! Viva Portugal!)
(Sobe o som do charleston)
Cena 18
Investigação e vontade política
(Na rua, escuro. BV faz sinal com lanterna .Aparece VP)
Virgílio Pinhão – Sr. Dr. Barbosa Viana a que devo a honra desta entrevista?
Barbosa Viana – Sente-se, meu caro director Virgílio Pinhão. A D. Berta Maia tenta encontrar-me para falar do 19 de Outubro. Houve o 28 de Maio, os militares tomaram outra vez conta disto, o Alfredo da Silva está por trás por causa dos negócios do tabaco, é gente com muita força, não me quero meter nisso.
Virgílio Pinhão – Tem toda a razão. O que lá vai, lá vai. Eu, pela minha parte, desfiz as provas que pude. Fiquei de mãos limpas e sem poder cair na rede desses senhores...
Barbosa Viana – aquela lista...
Virgílio Pinhão - sim, sim, esteja descansado.
Barbosa Viana – Faça-me um favor. Vá, por mim, à entrevista com a D. Berta Maia e tente dissuadi-la de continuar com aquela mania de querer descobrir tudo. Só se prejudica a ela e ao nosso movimento republicano, que agora tem de estar cauteloso e de unhas encolhidas à espera de melhores dias.
Virgílio Pinhão – Eu trato disso, fique descansado. Melhores dias virão. E muito rapidamente. A estes golpistas, dou-lhes mais um mês, o máximo.
Barbosa Viana – É o que eu e os meus correligionários pensamos. Na altura, falaremos sobre as suas futuras funções e responsabilidades.
Virgílio Pinhão – Eu estou sempre ao serviço do ideal republicano, senhor doutor.
Barbosa Viana – Muito bem. Vá indo, trate-me desse assunto. Passe muito bem.
*
(Casa de BM com VP)
VP – O Sr. Dr. Barbosa Viana estava adoentado, enviou-me a mim com um cartão...
BM (com o cartão) – “minha senhora, não me sinto bem, mas envio-lhe o Sr. Virgílio Pinhão, que é o mesmo que conversar comigo... (pausa) o quê? O senhor é o Sr Virgílio Pinhão?
VP – Sim, minha senhora.
BM – Ah! Sim, a conversa não será nunca igual à que eu teria com o Dr. Barbosa Viana. Queria elogiá-lo por falar da infiltração de integralistas no 19 de Outubro, e queria censurá-lo por não dizer mais nada, deixando apodrecer na cadeia o Abel Olímpio enquanto os verdadeiros criminosos andam, por aí, à solta.
VP – O Dente de Ouro é uma besta feroz, um animal.
BM – E quem o industriou e convenceu, o que é? O Abel Olímpio contou-me como foi recrutado, como ia receber dinheiro à Época...
VP – A senhora pode possuir todas as provas morais de que a morte do seu marido se deve à acção de monárquicos, mas nunca terá as provas jurídicas.
BM – É verdade, eu não tenho a prova jurídica... e se eu não a tenho é porque alguém a tem!
VP – Mas que prova quer a senhora ter?
BM – Senhor Virgílio Pinhão, o Abel Olímpio falou-me de uma lista com nomes a abater, e disse-me que tinha dado essa lista à polícia...
VP – Isso é mentira! Nunca houve tal lista!
BM – Senhor Virgílio Pinhão, o julgamento do 19 de Outubro está incompleto. Os oficiais republicanos foram absolvidos, mas há quem continue a considerá-los culpados... se o senhor ou o senhor Dr. Barbosa Viana conseguissem algum documento, era muito importante...
VP – Minha senhora, recordo-lhe que eu e o Dr Barbosa Viana fomos afastados das investigações, que eu propus ao jornal “A Capital” uma campanha jornalística, que essa campanha começou e foi suspensa, que fui preso por ter divulgado documentos que faziam parte da conspiração monárquica, que me apresentei no tribunal com toda a papelada para servir de testemunha, e que dispensaram o meu depoimento...
BM – Se isto não se esclarecer, eu vou publicar as minhas entrevistas com o Abel. Depois, aqueles de quem eu citar os nomes, vão dizer que eu sou doida...
VP – Isso não. Eles hão-de arranjar uma defesa inteligente...
(Beija a mão. Sai)
(Continua)
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