quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dia de Lisboa -Lisboa na literatura universal

João Machado


A primeira referência escrita que se encontra sobre Lisboa, feita por um romano, é a do académico Marco Terêncio Varrão (116 – 27, a. C.). Informa que as éguas locais concebem pelo vento, sem necessidade de terem contacto com os machos, lenda provavelmente transmitida pelos povos locais, (ver na Revista Municipal de Lisboa, n.º 56 (1953), o artigo de Arlindo de Sousa, Antologia de Lisboa).

Encontram-se também referências a Lisboa em Pompónio Mela ( (no De Situ Orbis), em Estrabão e Ptolomeu.

Vários viajantes ingleses de nomeada, a partir da Restauração (1640), visitaram Portugal e estiveram em Lisboa, tendo-se referido à nossa capital nos seus escritos, em prosa e em verso. Falamos a seguir de alguns dos mais conhecidos:

No século XVIII, há a referir Henry Fielding (1707-1754), autor de Tom Jones, tido como o pai do romance inglês. Escreveu Journal of a Voyage to Lisbon, em que conta a sua viagem para Portugal, onde veio procurar descansar do esgotamento provocado pelo seu trabalho como magistrado. Foi a sua última obra, pois Fielding faleceu em Lisboa em 8 de Outubro de 1754.


William Beckford  (1760-1844), , político e viajante inglês, autor de obra variada, com destaque para o conto oriental Vathek esteve em Portugal nos fins do século XVIII, e escreveu, com bastantes anos de atraso, narrações das suas viagens intituladas, Italy, With Sketches of Spain and Portugal e Recollections of an Excursion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha. Na segunda obra descreve pormenorizadamente um passeio, feito a partir da sua casa de Lisboa.

Byron (1788 – 1824), um dos grandes poetas românticos ingleses, esteve em Lisboa em 1809, no início de uma grande viagem pelo sul da Europa. No Childe Harold’s Pilgrimage, canto I, estrofe XVII, dá uma imagem de Lisboa bastante negativa, embora comece por gabar o aspecto à primeira vista. Aliás Byron dá uma imagem negativa dos portugueses em geral, chegando a lamentar que a natureza tenha sido excessivamente pródiga com eles, quanto à paisagem. Transcreve-se a seguir a estrofe acima referida:

But whoso entereth within this town,
That, sheening far, celestial seem to be,
Disconsolate will wander up and down,
Mid many things unsightly to strange e’e;
For hut and palace show like filthily,
The dingy denizens are reared in dirt,
No personage of high or mean degree
Doth care for cleaners of surtout or shirt,
Though shent with Egypt’s plague, unkempt, unwashed, unhurt.

No número 60 da Revista Municipal, do ano de 1954, no artigo Lisboa no folclore e na poesia culta do Brasil, Gastão de Bettencourt faz uma resenha muito variada, que inclui desde Evocação lírica de Lisboa, de Cecília Meireles, Entre-mar e Rio, do diplomata Ribeiro Couto, até ao Auto dos Fandangos, dos mestiços do Nordeste Brasileiro.

Mais recentemente, o alemão Thomas Mann (1875-1955), faz decorrer parte do seu último romance, Bekenntisse des Hochstaplers Félix Krull (As Confissões de Félix Krull, Cavalheiro de Indústria), em Lisboa. Trata-se aliás de um romance, que decorre vagamente no fim do século XIX, e que ficou por acabar, devido à morte do autor. Félix Krull assume a identidade do marquês de Venosta, nobre luxemburguês, e substitui-o numa viagem a que este pretende escapar, devido a um problema de amores. E numa Lisboa não muito real vive algumas peripécias.

O último romance de Erich Maria Remarque (1898-1970), Die Nacht von Lissabon (Uma noite em Lisboa) trata do problema dos refugiados durante a II Grande Guerra Mundial, que passam por Lisboa em trânsito para a América.


book trailer for "Die Nacht von Lissabon" from Christian Selent on Vimeo.



John Le Carré (1931 - ), em The Russia House, um romance de espionagem que decorre no fim da Guerra Fria, põe o herói a ser interrogado pelos serviços secretos ingleses em Lisboa. É famosa a referência ao Príncipe Real, e aos discursos de um velho místico que seria o professor Agostinho da Silva.


António Muñoz Molina (1956 - ) escreveu El Invierno en Lisboa, o qual, na modesta opinião de quem escreve estas linhas, nada tem a ver com a capital de Portugal. Usa a sonoridade do nome, e do personagem central da novela (?), Biralbo. Alguns dizem que é uma homenagem ao romance negro, e ao jazz. Será?

A Morte Branca, de Pierre Kyria (1938 - ), recebeu referências elogiosas na imprensa francesa. O crítico do Nouvel Observateur comparou o romance de Kyria a uma obra de Agatha Christie, onde se está sempre à espera de revelações fulgurantes, e o do Magazine Littéraire considerou-o um grande livro. É uma história em que um jovem romântico se vê envolvido em situações complicadas, decorrendo a trama numa pensão familiar de Lisboa. Kyria revela um conhecimento grande da cidade, embora a história pudesse decorrer em qualquer outro local. Este escritor também escreveu Lisbonne, livro sobre o qual não temos referências.

A Small Death in Lisbon, de Robert Wilson (1957 - ) é um romance policial, que trata de sequelas do tempos dos nazis, e de crimes actuais.

O Homem de Lisboa, de Thomas Gilfford, conta a história da burla de Alves dos Reis.

Em El Club Dumas, Arturo Pérez-Reverte (1951 -), faz Lucas Corso, o personagem central, passar por Lisboa a caminho de Sintra, procurando um livro. E contar recordações de outra viagem a Lisboa.

Leslie Charteris (1907 – 1993), criador de O Santo, fez decorrer em Lisboa uma das aventuras do seu herói, The Saint in Pursuit. O título da obra em português é O Santo e o Mistério de Lisboa.


O primeiro romance do norte-americano Richard Zimler (1956 - ), O Último Cabalista de Lisboa, decorre na Lisboa do início do século XVI, e tem como pano de fundo os massacres de cristãos novos.

Pierre Mercier, suíço de língua francesa, escreveu Comboio Nocturno para Lisboa, a história de um suíço que impede o suicídio de uma portuguesa, e a seguir lê um livro de um português resistente à ditadura. Desperta-se nele a curiosidade de saber mais sobre este homem, e assim vem até Portugal.

8 comentários:

  1. Belo trabalho, João, esse de Lisboa na literatura universal.

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  2. Excelente, João - estavas tu com dúvidas. Fizeste um trabalho muito bom. O filósofo de que o John Le Carré fala, descrevendo-o sob a árvore centenária do Jardim do Príncipe Real a dissertar para quem o queira ouvir, era mesmo o Agostinho da Silva. Lembras-te do Wellington de Aragão, um brasileiro que trabalhava comigo (após a redemocratização, voltou a Salvador, ao seu lugar no corpo docente da Universidade). O Wellington era amigo do Agostinho da Silva e uma manhã apresentou-mo. Morava perto do Largo e lá nos levou para debaixo da árvore - tudo o que dizia tinha interesse ou pelo menos fazia-nos pensar - isto foi antes das filmagens da «Casa da Rússia». Bom trabalho, João.

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  3. Excelente, João - estavas tu com dúvidas. Fizeste um trabalho muito bom. O filósofo de que o John Le Carré fala, descrevendo-o sob a árvore centenária do Jardim do Príncipe Real a dissertar para quem o queira ouvir, era mesmo o Agostinho da Silva. Lembras-te do Wellington de Aragão, um brasileiro que trabalhava comigo (após a redemocratização, voltou a Salvador, ao seu lugar no corpo docente da Universidade). O Wellington era amigo do Agostinho da Silva e uma manhã apresentou-mo. Morava perto do Largo e lá nos levou para debaixo da árvore - tudo o que dizia tinha interesse ou pelo menos fazia-nos pensar - isto foi antes das filmagens da «Casa da Rússia». Bom trabalho, João.

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  4. Obrigado, Augusta e Carlos, pelos vossos amáveis comentários. Mas estou convencido de que há muito mais coisas sobre Lisboa. É verdade, Carlos, lembro-me perfeitamente do Wellington, que chegou a ir às reuniões na Base-Fut, na Rua de S.Bento. Como estará ele?

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  5. Sobre o Wellington Aragão sei que está bem e que recuperou o seu lugar na Universidade da Bahia. Vou escrever-lhe, um dia destes.

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  6. João, mais um livro que ganhou o Booker Prize e cujo 1º. capítulo se passa em Lisboa: "Aqui Nos Encontramos" (Here Is Where We Meet) de John Berger, Civilização.

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  7. Mais uma vez obrigado pelos vossos comentários, amigos. E obrigado pelas ajudas que me deram, o Carlos Loures, a Carla Romualdo e o Manuel Simões. Era interessante descobrir o que o Cervantes escreveu sobre Lisboa. O Carlos já me referiu que ele esteve em Lisboa. E que referências ele terá feito sobre a nossa capital?

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