Pedro Godinho
Em declarações a um semanário português (Expresso, 14/08/2010), Duarte Pio de Bragança, pretendente a um trono inexistente, afirmou: “Temos uma república que não é completa, onde o povo é tratado como ignorante. A nossa democracia limita muito o direito de escolha ao não permitir que se pronunciem sobre o tipo de chefia do Estado que querem. É este um dos limites materiais da nossa Constituição”.
Também julgo a república incompleta e, em abstracto, não recusaria um referendo ao tipo de chefia do Estado.
Parece-me, aliás, evidente que a maioria dos cidadãos preferiria continuar a sê-lo a tornar à condição de súbdito e perguntados entre a república e a monarquia, apesar das revistas do mundo rosa, votaria pela república.
Disse ainda sua alteza virtual: “O que a Constituição diz é que não se pode alterar a forma republicana de governo. O que deveria dizer é que não se pode alterar a forma democrática de governo”.
É simpático ver quem se quer rei pugnar pela democracia, mas se o fosse, se em monarquia, pugnaria igualmente pela consulta do povo quanto ao tipo de chefia do Estado que quer? Aceitaria uma decisão democrática, expressa pela maioria dos portugueses, que o destituísse e à monarquia?
É possivelmente verdade que presidentes há que, uma vez eleitos, gostariam de ser reizinhos, e como tal se comportam, até na corte com que se fazem rodear e nas prebendas que distribuem.
A presidência da República fulanizada não é, outrossim, a única forma de chefia presidencial e será até, talvez, menos republicana e democrática que uma presidência colegial e, na representação, rotativa.
Sim, a democracia é uma questão inacabada, sempre em construção, e actualmente sujeita à deriva não democrática duma visão reducionista e exclusivamente representativista, que exclui e expulsa a dimensão da participação e poder de decisão popular em todos os assuntos de cidadania e reconhece apenas o direito de voto quadrienal.
Mas poderá a monarquia ser mais democrática, ou sequer democrática?
Quanto à monarquia, e apesar de agora nenhum partidário da mesma se atrever, ao menos publicamente, a defendê-la sem o adjectivo de constitucional, há perguntas essenciais para as quais ainda não vi, o pretendente ou qualquer dos seus acólitos da causa real, responder satisfatoriamente.
Quem escolhe o Rei? Como é escolhido o Rei? Quem sucede ao Rei?
(Por mim, onde está rei pode ser lido rainha; podê-lo-á também para os nossos monárquicos?)
A história mostra que de pretendentes está o inferno cheio e a frequência do fratricídio na gestão do assentar no trono – com os túneis, apitos dourados e claques do seu tempo.
Admitamos que alguns monárquicos, poucos serão se alguns, defendam a eleição do Rei pelo povo; que critérios e limites estabelecem para alguém poder ser candidato? Os constitucionalmente consignados hoje ou outros e quais? Genealógicos?
Suponhamos que a monarquia era reinstaurada e até que, pasme-se, o rei era livremente escolhido pelo povo. Por quanto tempo? Poderia ser destituído pelo mesmo povo? E quando morresse ou ficasse incapaz seria o seguinte, também ele, eleito?
E uma eleição, por si, não faz uma democracia. Infelizmente, conhecem-se os exemplos de ascensão democrática ao poder rapidamente transformada em exercício autocrático, ou mesmo totalitário (neo-absolutista), do poder.
Se encontrar monarquistas defensores da eleição do rei é tarefa de mais de uma vida, ainda mais difícil, senão impossível, será encontrar algum que não afirme o carácter vitalício, inamovível e hereditário do soberano.
E estas três características são, por natureza, não democráticas – para, educadamente, não dizer anti-democráticas.
Mas imaginemos, por absurdo, que, ao contrário, democraticamente, os monarquistas – esperá-lo do pretendente seria bipolar – defendiam, ou pelo menos aceitavam, que o rei fosse eleito, que fosse periodicamente eleito por todo o povo, que o seu mandato fosse limitado e que pudesse ser destituído; então, seria um presidente ou, vá lá, um Rei-presidente.
sábado, 28 de agosto de 2010
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É muito bem formulado, na verdade não há reis democráticos, ou antes, com legitimidade democrática. A legitimidade do rei vem da genealogia e aí é que bate o ponto. A maioria não aceita.
ResponderEliminarO ideal monárquico é essencialmente anti-democrático. Os reis governam por terem sido «ungidos por Deus» - o que tem esse «direito divino» a ver com o ideal democrático? Como coneguem compatibilizar um tal anacronismo com um conceito dinâmico, em permanente evolução, como é o de democracia? Um dos argumentos que já tenho ouvido é a de que uma grande quantidade de países europeus, dos mais desenvolvidos, são monarquias. Só há uma explicação - as receitas do turismo.
ResponderEliminarA credibilidade das monarquias europeias, as próprias famílias reais se encarregam de a destruir (nem vou falar no bordel de Buckingham). Em Portugal, as possibilidades de se voltar ao regime monárquico são praticamente inexistentes, felizmente. Já viram o que era, além da corrupta oligarquia endogâmica criada pelo bloco central, se além de toda essa chusma de bandalhos ainda tínhamos de suportar condes, duques, marqueses... "Foge cão!"
Boa Carlos. Mas a melhor para mim é "SUA ALTEZA VIRTUAL" de Pedro Godinho. Adorei.
ResponderEliminarEu sou o marquez de Montanelas caso isto dê o virote...
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