terça-feira, 26 de outubro de 2010

Sempre Galiza! - Rosalia de Castro: Adeus, rios; adeus, fontes;

coordenação de Pedro Godinho


Rosalia de Castro - Adeus, rios; adeus, fontes;


Rosalia de Castro (Santiago de Compostela, 1837 — Padrón, 1885), escritora e poeta galega, apesar de ter também escrito algumas obras em castelhano, é considerada como a fundadora da literatura galega moderna, em galego.

Nas palavras de Carvalho Calero, “Rosalia assinala o primeiro marco inamovível da literatura galega contemporânea”.

No princípio era a Rosalia…

Um dos nomes grandes da literatura galega deveria igualmente ser acarinhada como parte,que é, da literatura de língua portuguesa, ou galego-portuguesa, e como tal lida e estudada também em Portugal.

Sítio da Casa-Museo Rosalia de Castro em http://www.rosaliadecastro.org/

O dia 17 de Maio, data de edição da sua primeira obra em língua galega, “Cantares Gallegos”, ficou o Dia das Letras Galegas.

Com “Cantares Gallegos”, publicado em 1863, em Vigo, iniciou-se o ressurgimento da poesia e literatura escrita em galego. Os seus poemas glosam cantigas populares, vivências pessoais, as injustiças sofridas, os sentimentos dos galegos e o seu amor à terra galega.

No prólogo a Cantares Galegos, escreveu Rosalia que “ninguém tem menos do que eu tenho as grandes qualidades que são precisas para levar a cabo obra tão difícil, ainda que ninguém também se pôde achar animado dum mais bom desejo para cantar as belezas da nossa terra naquele dialecto suave e mimoso que querem fazer bárbaro os que não sabem que avantaja as demais línguas em doçura e harmonia. Por isto, ainda achando-me débil em forças e não havendo aprendido em mais escola que a dos nossos pobres aldeãos, guiada só por aqueles cantares, aquelas palavras carinhosas e aquelas expressões nunca olvidadas que tão docemente ressoaram nos meus ouvidos desde o berço e que foram recolhidos pelo meu coração como herança própria, atrevi-me a escrever estes cantares esforçando-me em dar a conhecer como alguns dos nossos poéticos costumes ainda conservam certa frescura patriarcal e primitiva, e como o nosso dialecto doce e sonoro é tão a propósito como o primeiro para toda a classe de versificação.”

A colonização cultural e linguística castelhana e a ausência dum padrão de uso literário fez, então, com que escritores galegos misturassem na sua escrita, galega, também ortografia e morfologia castelhanas.

Mas que português não se reconhece nos ais, inhas e inhos neste poema de Rosalia.

Adios, rios; adios, fontes

Adios, ríos; adios, fontes;
adios, regatos pequenos;
adios, vista dos meus ollos:
non sei cando nos veremos.

Miña terra, miña terra,
terra donde me eu criei,
hortiña que quero tanto,
figueiriñas que prantei,

prados, ríos, arboredas,
pinares que move o vento,
paxariños piadores,
casiña do meu contento,

muíño dos castañares,
noites craras de luar,
campaniñas trimbadoras
da igrexiña do lugar,

amoriñas das silveiras
que eu lle daba ó meu amor,
camiñiños antre o millo,
¡adios, para sempre adios!

¡Adios gloria! ¡Adios contento!
¡Deixo a casa onde nacín,
deixo a aldea que conozo
por un mundo que non vin!

Deixo amigos por estraños,
deixo a veiga polo mar,
deixo, enfin, canto ben quero...
¡Quen pudera non deixar!...

Mais son probe e, ¡mal pecado!,
a miña terra n'é miña,
que hastra lle dan de prestado
a beira por que camiña
ó que naceu desdichado.

Téñovos, pois, que deixar,
hortiña que tanto amei,
fogueiriña do meu lar,
arboriños que prantei,
fontiña do cabañar.

Adios, adios, que me vou,
herbiñas do camposanto,
donde meu pai se enterrou,
herbiñas que biquei tanto,
terriña que nos criou.

Adios Virxe da Asunción,
branca como un serafín;
lévovos no corazón:
Pedídelle a Dios por min,
miña Virxe da Asunción.

Xa se oien lonxe, moi lonxe,
as campanas do Pomar;
para min, ¡ai!, coitadiño,
nunca máis han de tocar.

Xa se oien lonxe, máis lonxe
Cada balada é un dolor;
voume soio, sin arrimo...
Miña terra, ¡adios!, ¡adios!

¡Adios tamén, queridiña!...
¡Adios por sempre quizais!...
Dígoche este adios chorando
desde a beiriña do mar.

Non me olvides, queridiña,
si morro de soidás...
tantas légoas mar adentro...
¡Miña casiña!,¡meu lar!

   in Cantares Gallegos (1863)


Adeus, rios; adeus, fontes

Adeus, rios; adeus, fontes;
adeus, regatos pequenos;
adeus, vista dos meus olhos;
não sei quando nos veremos.

Minha terra, minha terra,
terra onde me eu criei,
hortinha que quero tanto,
figueirinhas que plantei,

prados, rios, arvoredos,
pinhares que move o vento,
passarinhos piadores,
casinha do meu contento,

moinho dos castanhais,
noites claras de luar,
campainhas timbradoras
da igrejinha do lugar,

amorinhas das silveiras
que eu lhe dava ao meu amor,
caminhinhos entre o milho,
adeus para sempre a vós!

Adeus, glória! Adeus, contento!
Deixo a casa onde nasci,
Deixo a aldeia que conheço
Por um mundo que não vi!

Deixo amigos por estranhos,
deixo a veiga pelo mar,
deixo, enfim, quanto bem quero…
Quem pudera o não deixar!...

Mas sou pobre e, malpecado!
a minha terra n’é minha,
que até lhe dão prestado
a beira por que caminha
ao que nasceu desditado.

Tenho-vos, pois, que deixar,
hortinha que tanto amei,
fogueirinha do meu lar,
arvorinhas que plantei,
fontinha do cabanal.

Adeus, adeus, que me vou,
ervinhas do campo-santo,
onde meu pai se enterrou,
ervinhas que biquei tanto,
terrinha que nos criou.

Adeus, Virgem da Assunção,
branca como um serafim;
levo-vos no coração;
vós pedi-lhe a Deus por mim,
minha Virgem da Assunção.

Já se ouvem longe, mui longe,
as campanas do Pomar;
para mim, ai!, coitadinho,
nunca mais hão de tocar.

Já se ouvem longe, mais longe…
Cada bad’lada uma dor;
vou-me só e sem arrimo…
Minha terra, adeus me vou!

Adeus também, queridinha…
Adeus por sempre quiçá!...
Digo-che este adeus chorando
desde a beirinha do mar.

Não me olvides, queridinha,
Se morro de solidão…
Tantas léguas mar adentro…
Minha casinha!, meu lar!

   in Cantares Galegos, edição de Higino Martins Esteves


Amancio Prada canta Adios, rios; adios, fontes





Cantares Galegos pode ser encomendado (12€ mais envio), em edição promovida pela Academia Galega da Língua Portuguesa e reelaborada pelo filólogo Higinno Martins Esteves, através da Imperdível, a loja electrónica da Associaçom Galega da Língua, em http://www.imperdivel.net/.


"Se alguma vez um livro foi capaz de mudar a trajetória da escrita, da língua e por tanto da imagem que uma nação tem de ela própria e oferece ao mundo é esta obra-prima da nossa enorme Rosalia de Castro.

Edições da Galiza e a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) publicam a nova versão dos "Cantares Galegos" de Rosalia de Castro segundo o último Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Esta versão foi realizada e dirigida polo membro da Academia e Prof. Dr. Higino Martins Esteves, constando de 248 páginas entre preliminares, texto e notas finais.

Se alguma vez um livro foi capaz de mudar a trajetória da escrita, da língua e por tanto da imagem que uma nação tem de ela própria e oferece ao mundo é este. Foi alvorada que abalou em saudades o duro coração dos galegos e rompeu para sempre a tradição de seqüestro noutra língua. Exemplo de tão alegre e melâncolico ritmo demonstrou possível uma literatura galega, radical e moderna, na língua que empregava a gente para cantar e viver, na única em que podiam ser exprimidas todas as subtilezas do ser, toda a complexa, longa e assanhadamente apagada História nacional. Os Cantares Galegos, nas asas românticas dos lieder, na polêmica céltica dos BarzazBreiz, em diálogo com as Espanhas de AntonioTrueba, são testemunho e reivindicação da essência poética e musical galega, síntese intensa de leituras, melodias, ares, ditos, ambiente e conversas sobre folclore e nação.

Escritos quando agoniza a I Restauração bourbónica espanhola (1863), num momento em que a Galiza liberal luta pola modernidade, celebrados como bandeira antes da chegada da II Restauração canovista nas Espanhas, são, coincidindo com os sonhos vitais da autora, desafio e desabafo, presente e jogo poético de amor; símbolo e mensagem de uma entusiasta moça dotada de raro talento artístico e tremenda potência intelectual.

Se há um programa é este: o da reivindicação dessa língua familiar e cultura herdada em farrapos, aprendida sem mais escola que a das aldeias e sem gramática de nenhuma classe, que aspira por próprio esforço e constância, em construção permanente desde aquela, a levar o nome de Galiza ao lugar onde lhe corresponde entre as nações da Terra.

Cuidai, que começa...”


NO ESTROLABIO TAMBÉM, 30 DE OUTUBRO É DIA DE CARVALHO CALERO...

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