(Conclusão)
O FIM - «FALANDO SOZINHO, COMO UM CONDENADO»
Fialho de Almeida «Quantos Fialhos, todos diferentes, tenho conhecido pela vida fora!», diz Raul Brandão. E continua: «Este, de ventre e barbicha de bode, esta figura de que os mortos se conseguiram apoderar, agarrado à terra, conservador, discutindo com o padre da freguesia os melhoramentos da sua igreja, este é – enfim! enfim! – o descendente autêntico dos cavadores alentejanos. Custou... As suas melhores obras – as que sonhou e nunca se resolveu a escrever – leva-as ele para a cova... De quando em quando ainda tem uma revolta: – É horrível a vida na aldeia. Se não fossem os livros, já me tinha suicidado. Cada vez preciso mais de ver gente e desta vida artificial de Lisboa. Na aldeia, em Cuba, não falo com ninguém, não tenho ninguém com quem comunicar. São de bronze aqueles filhos da p...! E nem a mais pequena sombra de sensibilidade. E se imaginam que a gente não tem dinheiro, estamos perdidos!... – Fuja. – Não posso. Quem me há-de tratar daquilo? E, depois, criei interesse às oliveiras que plantei, à vinha... Ah, mas as noites!... Tenho noites em que pego num livro e saio. Há uma estrada em volta de Cuba – e eu ali ando à roda, toda a noite, a falar sozinho como um condenado!»
Entretanto a República é proclamada e Fialho, que, exceptuando o curto período da sua sectária e fútil adesão ao franquismo, outrora tanto e tão acerbamente criticara a moribunda instituição monárquica, não se dá melhor com o novo regime. As suas aceradas e felinas garras continuam a arranhar - agora a sensível pele da jovem República, a republiqueta, no seu peculiar dizer: «Dada a ignorância e o desmazelo relaxado, que foi o que a Monarquia legou às classes médias, dadas as tendências vaziamente exibicionistas, que foi o que o partido republicano deu às multidões, a República, como forma de governo, há-de reproduzir todos os fracassos da Monarquia... Na essência, o País ficará o mesmo. Que digo eu? Ficará pior.» Não é por isso de estranhar que fanáticos paladinos do barrete frígio, juntamente com alguns «republicanos de 11 de Outubro», lhe caiam furiosamente em cima.
Conta Raul Brandão: «Morreu anteontem, em Cuba, o Fialho de Almeida. Diz-se por aí que se suicidou. Duvido. Sei que sofria do coração e que ultimamente vivia num sobressalto porque todos os dias recebia cartas anónimas por causa dos artigos que escrevia para o Brasil. Queixava-se amargamente «desta republiqueta». Quando vinha a Lisboa, passava as noites no Coliseu, acompanhado pelo padre Sena Freitas, ambos entusiasmados com os palhaços. Previu talvez a morte. “Ao contrário do que se pensa sou um perpétuo enfermo de neurastenia e males crónicos. Agora mesmo eu atravesso uma crise tão difícil que chego a pensar se resistirei a ela ainda algum tempo. Aos meus antigos males junta-se agora o coração, que não funciona bem, e a angina pectoris, que ronda à espreita da primeira ocasião” (Carta de Fialho a Coelho Neto): Apressaram-lhe a morte? Há quem diga, peremptoriamente, que sim, com a intimação de que se calasse, senão que o punham na fronteira...9
Numa carta enviada por esta altura por Fialho e publicada pelo Correio da Manhã, do Rio de Janeiro (também transcrita por Brandão nas suas Memórias), confirma-se que o autor de Os Gatos vivia intensamente este problema: «Foi acordado que, se as minhas correspondências para o Correio da Manhã continuarem a referir-se desagradavelmente para a República, eu serei convidado a ausentar-me por algum tempo. “Isto é categoricamente oficial.” Agora devo convidar também V.Ex.a a ler o bilhete que incluso remeto, e me foi remetido de Lisboa por um amigo íntimo que priva quotidianamente com membros da colónia brasileira de Lisboa e da colónia de portugueses, antigos negociantes no Brasil. Por esse bilhete e pela feição grave que a intolerância jornalística está tomando em Lisboa (e no resto do país seguir-se-á) eu delibero por agora, até à reunião das Cortes, ou ao estabelecimento da normalidade, abster-me de me ocupar completamente da política portuguesa. Tenho uma pequena casa agrícola de que viver; e que não marcha (pelo reduzida e modesta que é) sem a minha administração directa. Tenho aqui, no Alentejo, um irmão meio louco e profundamente enfermo de que não posso separar-me.[...] Resolvo escrever cartas sobre todas as matérias que não contendam com a política da República, e ignorar esta, até que um dia em que a minha desforra chegue, e mui pela certa chegará. V.Ex.a exporá o conteúdo desta redacção do Correio da Manhã, e ela responderá se está de acordo com a minha forçada resolução:»
Fialho de Almeida, no dizer de Óscar Lopes, principal documento da formação do estilo decadente na nossa literatura e o mais importante prosador na transição entre os séculos XIX e XX, morre em 1911 na sua Vilar de Frades natal e vinte anos depois os seus restos mortais são trasladados para um jazigo próprio no cemitério da alentejana vila de Cuba.
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Bibliografia
1 - Os Gatos, Fialho de Almeida, vol.2, Lisboa. 1889-1893.
2 - À Esquina, capítulo Eu, Fialho de Almeida, Coimbra, 1903.
3 - Os Gatos, vol.2.
4 - Memórias, vol.2, Raul Brandão, Lisboa,1925.
5 - Memórias de Eduardo Brasão (que seu filho compilou e Henrique Lopes de Mendonça prefacia) - Lisboa, 1925.
6 - Raul Brandão - op. cit., vol. 1, Lisboa, 1919.
7 - Raul Brandão, op. cit. vol. 1.
8 - Saibam Quantos, Fialho de Almeida, Lisboa, 1912.
9 - Raul Brandão, Op. cit., vol. 2.
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
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