quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um histórico do fado coimbrão -Edmundo de Bettencourt

Carlos Loures

Conheci Edmundo de Bettencourt numa tertúlia, uma das muitas que existiam em Lisboa. Reunia esta nos fins de tarde no café Restauração da Rua 1º de Dezembro, no centro de Lisboa. Paravam por ali, além do jurista, poeta e cantor madeirense, o Alfredo Margarido (1928-2010), que viria a ser professor da Sorbonne e que  faleceu recentemente, o Manuel de Castro (1934-1971), um grande poeta quase desconhecido, às vezes, outro madeirense célebre, o Herberto Hélder. Mais raramente o Renato Ribeiro, com a sua mulher a Fernanda Barreira.
Ocasionalmente, algum «imigrante» vindo do Gelo – era só atravessar a rua e andar meia dúzia de metros.



Edmundo Bettencourt, para além de notável poeta e ímpar cantor do fado de Coimbra, era uma pessoa afável, muito cordial, com memórias muito interessantes do seu tempo de estudante - foi ele que me chamou a atenção para os "históricos" do fado coimbrão - o Augusto Hilário e o António Menano, do mago da guitarra , o Artur Paredes. Falou-me do Luís Goes e de um nome que, na altura, nada me disse - José Afonso -  que, na sua opinião, viiria a ser o cantor. Dada a sua modéstia, "esqueceu-se" de referir um histórico incontornável que se chamava Edmundo de Bettencourt.

Foi quando andava a organizar o terceiro número da revista «Pirâmide». Os dois primeiros números tinham reunido gente do «Gelo». Este terceiro, juntou colaboração de frequentadores da tertúlia do Restauração (embora tivesse também um poema inédito do argentino Rodolfo Alonso. E outro, igualmente escrito para a revista, do castelhano Ángel Crespo (1926-1995) que, anos depois, além de consagrado poeta, se converteria num dos principais pessoanos de língua castelhana. Edmundo Bettencourt colaborou com seis poemas, então inéditos, dos quais publico aqui um datado de 1954: «O Segredo e o Mistério». Os poemas eram acompanhados por um retrato do poeta, desenho inédito de Mário de Oliveira, que podemos ver acima.

Eis um desses poemas:

O Segredo e o Mistério

Mistérios a pouco e pouco vão morrendo
e extenuados de vigília os anjos
são afinal a sussurrantes sibilinas vozes
que desvendam adivinham segredos
atrás de sentinelas
cuja ferocidade é uma ironia de ternura…

Na palidez da luz
cercando uma velha cabeça
a quem um sono de embrião já tolda os olhos
sorriem enigmáticos os sonhos.


Edmundo de Bettencourt nasceu em 1899 no Funchal. Quando estudante de Direito em Coimbra, fez parte da chamada «Geração de Oiro», onde pontificava o grande António Menano e o não menos virtuoso Artur Paredes, pai de Carlos Paredes.



José Afonso, o tal rapaz que iria «dar muito que falar», no dizer de Edmundo de Bettencourt, pagou-lhe a profecia considerando Bettencourt o maior cantor de fado de Coimbra de todos os tempos. As suas canções eram acompanhadas pela guitarra de Paredes. Além do fado coimbrão, cantou também canções do folclore da Beira-Baixa, como «Senhora do Almortão».

Como escritor, fez parte do grupo da revista «Presença». Em 1999, quando passava o centenário do seu nascimento, saiu uma antologia – «Poemas de Edmundo de Bettencourt», prefaciada e organizada por Herberto Hélder.



Ouçamos agora uma das mais conhecidas composições de Edmundo de Bettencourt, Saudades de Coimbra. Canta José Afonso:


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