sábado, 13 de novembro de 2010

Teatro em Portugal / Teatro Português (2)

António Gomes Marques

(Continuação)

III

O Decreto-Lei n.º 225/2006, de 13 de Novembro, articulado com a Portaria n.º 1321/2006, de 23 de Novembro, «estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades ou pessoas singulares que exercem actividades de carácter profissional de criação ou de programação nas áreas da arquitectura e do design, das artes digitais, das artes plásticas, da dança, da fotografia, da música, do teatro e das áreas transdisciplinares», como pode ler-se no Artigo 1.º do citado Decreto-Lei.

Dos objectivos, definidos no Artigo 3.º, destaco o que se diz nas alíneas:

a) Assegurar o acesso público aos diversos domínios da actividade artística, concorrendo para a promoção da qualidade de vida, da cidadania e da qualificação das populações;

b) Descentralizar e dinamizar a oferta cultural, corrigindo as assimetrias regionais, e promover a actividade artística como instrumento de desenvolvimento económico e de qualificação, inclusão e coesão sociais;

Ao analisar-se a distribuição das verbas destinadas a tais apoios, apenas no que ao Teatro respeita, verifica-se de imediato que as grandes fatias são distribuídas a estruturas sediadas em Lisboa e Porto, com realce para a capital. Se as estas verbas juntarmos os orçamentos dos Teatros Nacionais de Lisboa e Porto, então a diferença, para o que resta dos dinheiros públicos para o território nacional, começa a ser escandalosa a política de distribuição. Se o critério que seguirmos para este nosso juízo for a divisão em Grande Lisboa, Grande Porto e restante país, então o resultado obtido torna-se inqualificável, sobretudo quando os objectivos fixados são os que transcrevemos do Artigo 3.º do Decreto-Lei.

uero com isto dizer que as estruturas daquelas duas cidades recebem dinheiro a mais? De modo nenhum. A verdade é que o dinheiro para a cultura é insignificante e os vários Governos no pós-25 de Abril são muito criativos a produzir legislação e muito pouco interessados, se pensarmos apenas na prática, no real desenvolvimento cultural do país. Para que não haja comparações indevidas, é bom não esquecer que é só este período do pós-25 de Abril que estou a analisar.

Claro que a distribuição dos dinheiros pelas várias estruturas também é demonstrativa de vários compadrios, de grandes injustiças e, podemos mesmo dizer, que algumas dessas estruturas estão a receber apoios que a legislação, se aplicada com rigor, talvez não permita.

Deixo esta questão para outro momento, não só por não estarem aqui representadas todas as estruturas que recebem apoio, muito ou pouco que seja, e também por não querer provocar uma discussão que dificilmente acabaria durante este Congresso e que poderia até gerar conflitos insanáveis.

IV

Voltando à questão principal, que é a incapacidade do Ministério da Cultura para descentralizar, dinamizar a oferta cultural e corrigir as assimetrias regionais, é bom lembrar o preâmbulo do referido Decreto-Lei quando se propõe, com a legislação em vigor, valorizar a rede de cine-teatros e outros equipamentos culturais, que inclua a residência permanente ou periódica de entidades de criação artística, assim como promover a fixação de entidades de criação e produção artísticas no interior. Escreve-se ali também que se visa favorecer a articulação entre o apoio às artes e outras políticas sectoriais.

Analisando o que realmente acontece no país, logo se poderá concluir que de boas intenções está o inferno cheio.

Não conheço toda a rede de cine-teatros existente no país, referida naquele preâmbulo, mas admito que em tais espaços predomina o chamado teatro à italiana, até por a maioria desses espaços me parecer ser constituída por recuperações de antigos cine-teatros. Em Portugal, também há poucos arquitectos virados para a criação de outro tipo de espaços, mas ainda estão a tempo de aprender com o que fez Nuno Teotónio Pereira em Algés, onde criou o célebre 1.º Acto.

A técnica e as tecnologias admitem novas possibilidades e, ao conceber-se um espaço teatral, hoje, há que pensar em dar a mesma importância à acústica, à luz, ao movimento e à óptica e não esquecer que a cena exige, ou pode exigir, uma outra dimensão e a imaginação dos criadores não pode ver-se limitada por um palco à italiana.

Estarei a ser muito exigente? Haverá criadores, alguns entre nós neste momento, que dirão: «quem me dera ter sempre um palco à italiana!». No entanto, insisto, ninguém me tira da cabeça que com o dinheiro que se tem gasto em alguns destes teatros se poderia ter feito bem melhor. Os Recreios da Amadora é um bom exemplo, assim como me parece que com o dinheiro gasto na recuperação do Teatro Nacional D. Maria II se poderia ter feito trabalho de melhor qualidade, mais adequado à prática teatral e a um total aproveitamento das salas se tivesse havido a humildade de ouvir as pessoas que do teatro fazem profissão.

O que se quer hoje é um espaço em transformação que possa modificar-se segundo as necessidades do momento (a história da Igreja mostra como deve fazer-se: veja-se as transformações que a arquitectura das igrejas tem sofrido, servindo as necessidades e o espírito do tempo – Brasília, Macedo de Cavaleiros, ...). Não se pretendem espaços de betão gigantesco, mas também não se pretendem espaços reduzidos que não permitam a apresentação de bons espectáculos. Lembro-me bem das dificuldades para meter no palco dos Recreios da Amadora o «Tio Vânia», espectáculo estreado na Malaposta, pelo Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett.


Outro aspecto a ter em conta é o conforto do espectador, e deste conforto o mais importante tem a ver com a possibilidade de apresentar o melhor espectáculo possível. Se o espaço para a cena é, evidentemente, fundamental em qualquer espaço teatral, é indispensável ter outros locais de trabalho: área administrativa, área de ensaios, oficinas, camarins, gabinete para o(s) Director(es), etc. E, pergunto: não deveria também o conforto oferecido ao espectador ser levado em conta aquando da atribuição dos apoios às várias estruturas?

(Continua)

1 comentário:

  1. O conforto do espectador (ou a falta dele) é uma das razões da falta de audiência. Já estive num teatro (o mais recente da Praça de Espanha) onde não me cabiam as pernas entre as cadeiras.Ainda me lembro do jantar que não consegui digerir.Abraço António.

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