domingo, 16 de maio de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 4

Carlos Leça da Veiga

Os testemunhos que fazem falta



Tal como vão as coisas, infelicidade a nossa, o discorrer dos empossados nas funções legislativa e executiva nacionais já não consegue convencer qualquer Cidadão ou Cidadã, dentre aqueles que não têm canga partidária e, como convêm, têm um mínimo de luzes.


No mar da alienação política que domina a generalidade da população portuguesa, apesar de tudo, como parece, são cada vez mais aqueles libertos das tutelas político-partidárias. A todos esses, deve pergunta-se-lhes, o que pensam fazer, devem fazer ou, pelo menos e, por agora, o que devem dizer?



Não pode aceitar-se – como o poder deseja – que tantos continuem a permanecer enfeudados às ordens dos partidos políticos parlamentares e, também, frente ao evoluir malsão das coisas nacionais, estejam indiferentes, acomodados e silenciosos.


Ninguém consegue fugir a ter uma responsabilidade pesada na formação da sua própria personalidade, por desígnio, da sua cidadania.


Ter-se-á de perguntar, a todos e a cada um, o que podem concluir do conjunto das proclamações e dos escritos dos que vivem à sombra e à custa do efectivo colaboracionismo partidário que, embora bem disfarçado, está montado na arena de S. Bento?


Ter-se-á de inquiri-los sobre o que pensam de quantos, em São Bento, na realidade, são opositores convictos e sinceros do sistema político em curso que, desde há quase quatro anos, tem sido tornado cada vez menos democrático pela ditadura do chamado partido socialista?
De imediato, no mínimo dos mínimos, dever-se-ia responder que, hoje em dia, não é possível ficar-se tranquilo inclusive recear-se pelo bem-estar futuro.


Depois, uma vez pensados e repensados os conteúdos soprados de S. Bento e apreciada a sua vacuidade manifesta, não poderá deixar de dizer-se que, quem quer que seja, até o menos formado, o mais inculto, o menos dotado, o mais iletrado e o menos informado não pode, na medida das suas possibilidades, com toda a justiça, querer dar-se ao direito e ao prazer de desejar fazer ouvir a sua voz inclusive pretender fazer chegá-la junto aos outros cidadãos sem, com isso – haja justiça e decência – querer dizer-se que intenta ombrear com os prevaricadores.
Ser asfixiado por S. Bento e silenciado pela comunicação social, isso é que não. Estivessem por essas paragens vozes autorizadas e comportamentos políticos de craveira alta, então, a atenção da população não precisaria de permanecer de pé atrás, demasiado indiferente e até, pode acreditar-se, haveria de querer dar uma atenção comprometida a quanto estivesse em causa. Tudo leva a acreditar, como o pós-25 de Abril demonstrou, que haveria de pretender oferecer a sua participação activa na coisa pública. Recordem-se os tempos saudáveis que deram continuidade política democrática aquela data histórica quando, por felicidade, a ditadura do Parlamento ainda não tinha vindo a demonstrar-se como, afinal, passou a ser-lhe permitido por uma Constituição mal amanhada.


Falar bem ou mal do executivo, votar ou não votar, ter ou não filiação associativa, ouvir ou não as telenovelas do politicamente correcto não representa, neste século XXI, qualquer manifestação de cidadania suficientemente válida já que, poder fazer isso e só isso, necessariamente, não esgota a vida duma Democracia participada, bem pelo contrário.


Aqueles, a si mesmo chamados representantes da Nação, não só não lhes basta arvoraram-se no direito de desprezar qualquer mandato imperativo como, também, não mostram qualquer hesitação em desrespeitar o sentir de quem, pelo voto, assegurou garantir-lhes a eleição.


Por isso aqui estou a tomar a liberdade de convidar aqueles meus compatriotas sem sujeições doutrinárias e que, por igual, estão longe das subordinações partidárias a, tal como eu, quererem proceder no sentido de demonstrar o seu antagonismo activo à situação política, cultural, económica, ecológica e social vigente.


Face ao desprezo lançado sobre as potencialidades libertadoras do 25 de Abril e, também, frente às atitudes políticas constitucionais de deformação e de adulteração da Democracia, para que conste e para que um dia – mais tarde – seja possível lerem-se testemunhos da realidade vivida, tomo a liberdade de convidar os outros, tal como eu, os eternos ludibriados, a deixarem os seus testemunhos escritos, banais que sejam – tal como este é – para que a História, não possa viver sem o registo dessas recriminações e, pelo contrário – um velho costume – fique, por inteiro, á mercê das mentiras e dos caprichos da documentação oficial já que, quem manda, manda sempre mal.


Importa que, por intermédio da contribuição dada por cada qual, venha, um dia, a poder conhecer-se a verdade histórica com correcção bastante e suficiente e, assim, não vingue a burla política forjada pelos grupos e pelos interesses sociais dominantes que, uma vez introduzida com proficiência na documentação oficial, no futuro, por obra de muitos dos historiadores, será a versão oficial dos momentos vividos.


A população portuguesa que sente e presente, de sobremaneira, as vicissitudes políticas do situacionismo em curso, senão tão perverso, mais hipócrita que o salazarento – agora tudo é feito em nome da Democracia – deverá reservar algum do seu tempo disponível para deixar escrito tudo quanto constitui motivo do seu desagrado, da sua desconfiança e da sua indignação inclusive quanto considere ser traição à confiança facultada pela sua vontade eleitoral, isto no caso dalguma vez terem votado em qualquer partido. Pelo certo, haverá testemunhos numerosos do mal estar político, económico, cultural, ambiental e social sentido pela população anónima os quais, sejam eles os mais anódinos, importa que fiquem registados mesmo que, mais tarde, os historiadores de serviço – por desgraça, havê-los-á – não aceitem querer atribuir-lhes, com suficiência, o seu valor documental probatório.


Em quaisquer circunstâncias, qualquer Cidadão ou qualquer Cidadã, nunca deverá dispensar-se de querer deixar um seu testemunho. Por mim – já o disse e repito-o – não aceito prescindir de pronunciar-me mesmo à míngua do saber e da autoridade que penso serem necessárias para alcançar uma exposição bem elaborada e, por igual, minimamente convincente. Em boa verdade, caso optasse por coibir-me, então, isso sim, ficaria prisioneiro duma má consciência.


Com efeito, face ao que leio, ouço e vejo tenho de concluir que a Nacionalidade portuguesa, mais outra vez, não caminha nada bem. Perante esta conclusão é obrigatório recusar o cenário à vista. Como tal, sinto-me com a motivação suficiente para ter de interrogar-me sobre que razão plausível terá a força bastante para continuar a impor-me um silêncio verdadeiramente inapropriado. Embora não haja Democracia, há liberdade e isso permite poder quebrar-se o silêncio. Se há liberdade não vejo razão para não aproveitá-la mesmo que, a seu par, saiba que a Democracia em uso, com o seu cariz perverso duma máquina demolidora e trituradora das vontades individuais, essa pseudodemocracia, manipulada pela força coligada das elites político-partidárias parlamentares, bem sabido, irá ficar a rir-se de quanto dela e deles poder dizer.
A Democracia devia oferecer as maiores facilidades à exposição pública das opiniões dos cidadãos inclusive deveria incentivá-las tal como, sobretudo, devia permanecer de portas bem abertas e com a funcionalidade mais apropriada para receber quem quisesse abalançar-se a uma participação cívica activa, a política inclusive, tudo a par, nada mais desejável, dela própria – essa Democracia – dever sentir-se obrigada a manifestar a sua exemplaridade, em público e em raso, por intermédio das suas figuras cívicas mais representativas e, como tal, as mais susceptíveis de causarem um apelo forte no sentido e no incentivo da promoção duma cidadania muito participada e duma ética cívica aprimorada. Assim, por um dever cívico de base, aqueles outros portugueses apontados como sendo os de maior projecção pública e com o magistério político mais influente – de quem deveria e teria de esperar-se inteligência, honestidade, cultura e respeitabilidade – deveriam mostrar que, quando usam as facilidades concedidas por um desejável regime democrático, não estão, por força de conveniências próprias, objectivos estritamente partidários, entendimentos iniciáticos ou interesses alienígenos a abrir as portas ao descrédito institucional e, em principal, a uma viciação irreparável dum espírito de cidadania responsável.


Enfim, por força das más práticas políticas e, também, por força dos exemplos comportamentais mais reprováveis é que são lançadas sobre a massa populacional anónima as motivações bastantes para a eclosão subsequente dum clima de incredibilidade desastrosa, de pessimismo indesejável e dum desanimo muito desgastante face à defesa da causa pública, por desígnio, à das instituições da República e dos respectivos Órgãos de Soberania.


Ousados, em excesso, na irreflexão das suas diatribes políticas, no nepotismo utilizado, no autoritarismo praticado, nas desonestidades consentidas e nas arbitrariedades cometidas – isso está bem patente aos olhos do público – muitos homens de Estado, para conseguirem justificar-se já só podem contar com aprovação cega, facultada a todo o momento, não só pelos seus círculos partidários de aduladores mas, também, pela venalidade de certa comunicação social. Assim, deste modo, permitem-se viver sem ter de dar atenção, muito menos dar ouvidos a quem, outros, possam dizer-lhes que, afinal, vão nus.

1 comentário:

  1. Toda a razão! Só há uma maneira, é constituituir associações cívicas que não existem por, no 25 de Abril, os partidos terem tomado o que é deles e o que não é. Apareceu uma candidatura emanada da sociedade civil vou votar nessa candidatura. Vão aparecer os arautos , que não tem experiência, que não ocupou cargos, pois sim, mas eu voto em qualquer pessoa desde que não represente partidos.Sem uma sociedade civil interveniente o país não passa disto, "desta apagada e vil tristeza"!

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