sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Terramoto de Lisboa - 3 - Dia 1 de Novembro de 1755, 9:30 horas

(Continuação)

Carlos Loures

O sismo que conhecemos como o Terramoto de 1755, é por muitos considerado como o maior sismo de que há notícia histórica. Lisboa, por ser a mais importante cidade atingida, deu-lhe o nome, mas o abalo foi sentido com violência também no Algarve, no Sul de Espanha e em Marrocos. Sem causar prejuízos, sentiu-se em toda a Europa, nos Açores e na Madeira. Para Norte de Lisboa, a intensidade foi sendo menor, embora registando-se danos em Alenquer, Torres Vedras e Óbidos.

Em Lisboa, no dia um de Novembro, um sábado, o tempo estava quente para a época, atribuindo-se essa circunstância a uma antecipação do Verão de São Martinho. A temperatura andava na ordem do 14 graus centígrados. Em 31 de Outubro a maré atrasara-se mais de duas horas. A hora a que o sismo teve início é objecto de alguma controvérsia, podendo ser calculado entre as 9,30 e as 9,45. Ouçamos um dos relatos do acontecimento, feito por uma testemunha ocular (Joaquim José Moreira de Mendonça in «História Universal dos Terremotos que tem Havido no Mundo, de que há notícia, desde a sua criação até o século presente», Lisboa, 1756 – citado por Helena Carvalhão Buescu em «O Grande Terramoto de Lisboa», 2005) :

«Sábado, primeiro de Novembro, e vigésimo oitavo da Lua, amanheceu o dia sereno, o Sol claro, e o Céu sem nuvem alguma. Durava já esta serenidade por muitos dias do mês de Outubro, sentindo-se maior calor que a estação do Outono prometia. Pouco depois das nove horas e meia da manhã, estando o Barómetro em 27 polegadas, e sete linhas, e o Termómetro de Réaumur em 14 graus acima do gelo, correndo um pequeno vento Nordeste, começou a terra a abalar com pulsação do centro para a superfície, e aumentando o impulso, continuou a tremer formando um balanço para os lados de Norte a Sul, com estrago dos edifícios, que ao segundo minuto de duração começaram a cair, ou a arruinar-se, não podendo os maiores resistir aos veementes movimentos da terra, e à sua continuação. Duraram estes, segundo as mais reguladas opiniões, seis para sete minutos, fazendo neste espaço de tempo dois breves intervalos de remissão este grande Terremoto. Em todo este tempo se ouvia um estrondo subterrâneo a modo de trovão quando soa ao longe».

Segundo a maioria dos testemunhos registados, o grande abalo dividiu-se em três fases: uma primeira com a duração aproximada de minuto e meio, pouco violenta, intervalo de um minuto, um movimento mais intenso durante cerca de dois minutos e meio, provocando já danos consideráveis; outro intervalo de um minuto, seguindo-se a terceira e última fase por três minutos, a mais violenta de todas. Total, cerca de nove minutos. Segundo algumas descrições, na terra abriram-se fendas das quais emanaram vapores sulfúricos, fechando-se umas e permanecendo outras. Observaram-se fenómenos luminosos, tais como faíscas saindo do chão.

Para além do índice de elevada destruição causada pelos abalos, logo eclodiram incêndios por toda a Baixa. O fogo lavrou por seis dias, destruindo muito do que resistira ao tremor de terra e matando também muita gente. Por volta das onze da manhã do dia um, estava já a cidade destruída, chegaram as vagas de um tsunami. As águas do Tejo desceram, arrastando os barcos ancorados e, em seguida, começaram a subir, entrando pela Baixa dentro, trezentos ou quatrocentos metros. Só às sete horas de domingo, a maré normalizou.

Perante o grau de destruição produzido pelo grande terramoto, as medidas tomadas pelo Marquês de Pombal demonstram a capacidade daquele político e a forma pragmática como encarou a terrível catástrofe. Um inquérito à escala nacional foi por ele determinado. Um formulário com 13 questões foi impresso com elevada tiragem e os exemplares distribuídos pelas paróquias, pois sabia-se ser esta a forma mais expedita de o fazer chegar a todas as partes. Eis as perguntas:

1º. – A que horas principiou o terremoto do primeiro de Novembro e que tempo durou?

2º. – Se se percebeu que fosse maior o impulso de uma parte que de outra? Do norte para sul, ou pelo contrário, e se parece que caíram mais ruínas para uma que para outra parte?

3º. – Que número de casas arruinaria em cada freguesia, se havia nela edifícios notáveis, e o estado em que ficaram.

4º. – Que pessoas morreram, se algumas eram distintas?

5º. – Que novidade se viu no mar, as fontes e nos rios?

6º. – Se a maré vazou primeiro, ou encheu, a quantos palmos cresceu mais do ordinário, quantas vezes se percebeu o fluxo, ou refluxo extraordinário e se se reparou, que tempo gastava em baixar a água, e quanto a tornar a encher?

7º. – Se abriu a terra algumas bocas, o que nelas se notou, e se rebentou alguma fonte de novo?

8º. – Que providências se deram imediatamente em cada lugar pelo Eclesiástico, pelos militares e pelos Ministros?

9º. – Que terremotos têm repetido depois do primeiro de Novembro, em que tempo e que dano têm feito?

10º. – Se há memória de que em algum tempo houvesse outro Terremoto e que dano fez em cada lugar?

11º. – Que número de pessoas tem cada Freguesia, declarando, se pode ser, quantas há de cada sexo?

12º. – Se se experimentou alguma falta de mantimentos?

13º. – Se houve incêndio, que tempo durou, e que dano fez?

Extra – Se padeceu alguma ruína no terremoto de 1755 e em quê e se já está reparado.

Considerando a época, dizem os especialistas que este inquérito foi redigido de uma forma notável, procurando com o seu leque de perguntas a obtenção de informações de tipo «macrosísmico» como se faz com as escalas de danos desenvolvidas século e meio mais tarde e que ainda hoje são as que vigoram, tais como a Escala Mercalli Modificada (IMM) ou, a mais recente, a European Macroseismic Scale-98 (EMS-98). O grande geólogo Luís Francisco Pereira de Sousa (1870-1931) usou os dados obtidos pelo inquérito do Marquês para um estudo profundo sobre os danos previsíveis para construções e monumentos. O sismo de 1909 em Benavente, obrigou os sismólogos a estudarem de novo o grande terramoto de 1755.

Mas vejamos, da forma sucinta que se impõe, como é que a população correspondeu ao inquérito que, com a grande maioria de analfabetos existente, deve ter dado bom trabalho a párocos e seus ajudantes. Mas às ordens do Marquês, tinha de se obedecer. Vê-se que houve zonas, talvez por terem sido menos atingidas, em que a informação quase não existe, como por exemplo os Distritos do Porto, Braga e Viana do Castelo.

O que dissemos sobre o analfabetismo, e as consequentes dificuldades de interpretação, explica a falta de homogeneidade no corpo das informações. Por exemplo, a duração do sismo é descrita, não em termos de contagem feita por relógio, mas comparativamente à duração de uma oração. As Ave-Marias e Credos prevaleceram como medidas, pelo que se calcula entre 7 e 8,15 minutos. A descrição do ruído que antecedeu ou acompanhou o abalo sísmico, repete-se na maioria das respostas – primeiro um grande estrondo e depois uma vibração, o ranger das estruturas das casas.

Até hoje não se deixaram de fazer estudos sobre o que aconteceu em Lisboa naquele dia. Por exemplo, num trabalho de 2005, Hubert Reeves entende que a construção urbana lisboeta fugia à tipologia-padrão da época, com prédios muito altos e ruas muito estreitas, pelo que o colapso de um edifício implicava a queda de outros, num literal efeito de dominó. Na realidade, os maiores danos foram no tecido urbano da Baixa onde se concentrava o centro medieval por excelência – casas com o exterior em alvenaria e o interior em madeira (ou taipa) e que subiam a quatro, cinco ou mesmo seis pisos.

O número estimado de vítimas é muito variável. Calculando-se em 270 mil pessoas a população da cidade (das quais, 150 mil com mais de sete anos), cálculos moderados apontam para cinco mil mortos durante o terramoto e mais cinco mil nos dias seguintes, em consequência de ferimentos ou de doenças contraídas. Mas há estimativas diferentes que apontam para vinte mil mortos e outras ainda mais catastrofistas que chegam às cem mil.

Sabe-se que o contacto entre as placas tectónicas Euro-Asiática e Africana, serão em princípio, o motivo da frequência com que se verificam sismos em Portugal. Porém, uma explicação científica do que aconteceu, não cabe neste texto. Essa explicação envolve áreas do conhecimento como a sismologia, a geotecnia, a engenharia. Sabemos que, apesar dos estudos que se têm feito ao longo de dois séculos e meio ainda não existem explicações cabais que permitam evitar uma catástrofe semelhante no futuro.

Interessantes são algumas das explicações encontradas na época. Para já a da Igreja, a do costume – foi castigo divino pelos pecados cometidos. Dois motivos para que Portugal tivesse sido escolhido como alvo prioritário: a proibição da leitura da Bíblia e a perseguição dos Judeus pela Inquisição. Não faltaram outras explicações, astronómicas, astrológicas e, por exemplo, de natureza geológica, provocado o sismo por «forças do interior da Terra».
(Continua)



10 comentários:

  1. Está na hora de eu me mudar para o Porto.

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  2. O Porto está em cima de granito, é como as suas gentes, não abanam.

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  3. Uiiii, os meus comentários não aparecem.... snifff

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  4. Mas vou tentar repetir.

    Aqui, onde nasce o Norte insubmisso, onde nascem as revoluções, os homens eram de antes quebrar que torcer.
    Nos nossos dias já muitos se torcem e submetem a vontades alheias.
    Mas ainda há alguns à moda antiga, pelo que podes vir, Augusta, serás muito bem recebida.
    :o)

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  5. Muito obrigada, Zé. Não tenho dúvidas que sim. Já fiz grandes amigos.
    Os comentários hoje andam malucos. Já ando ali há 24 horas a dizer "Até ao Porto, carago!" e não há meio de me tiraram de lá :)

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