Carlos Leça da Veiga
Em Portugal “não existe Democracia” e “em certos casos, não estamos melhor do que antes do 25 de Abril”
Prof. Doutor Vitorino Magalhães Godinho
O sintoma que historicamente mais revela a decadência das classes dirigentes em Portugal é o cansaço de ser autónomo” e “A partir de agora (em 2004), a Constituição portuguesa de 1976, totalmente subvertida, pode ser posta em causa por qualquer regulamento comunitário, mesmo o mais comezinho
Prof. Doutor João Ferreira do Amaral
Salvo para aqueles crentes, convictos indefectíveis de estar a viver-se em Democracia – mais uma outra vez volta a haver situacionistas – parece não ser difícil concordar-se que temos uma Constituição inadequada e incapacitada de servir a generalidade da população portuguesa e que, por igual, embora com muito maior gravidade, estamos sujeitos a uma dependência política, económica, cultural, ecológica e militar alienígena que vicia a História nacional e dá cor escura ao futuro dos portugueses. Não será por haver quem aceite esta situação – mesmo que seja uma maioria indiscutível – que isso fará passá-la a poder ser tida como justa, aceitável que seja. Até as maiorias, bem sabido, já têm feito as piores escolhas, como disso é um paradigma histórico, todos recordá-lo-ão, a vitória eleitoral obtida por Hitler.
Os pecados capitais posteriores ao 25 de Abril são, de facto, uma Constituição política que não garante aquela Democracia que o século XXI exige e, também, a situação de sujeição a interesses politico-económicos comandados pelo exterior. De facto, a Constituição actual não serve a generalidade das necessidades sociais da maioria da população, não ambiciona accionar as boas vivências duma efectiva participação cívica e, também, não menos grave, por força da sua ambiguidade, permite acolher uma situação de dependência do exterior que, como incontestável – a experiência está a mostrá-lo – tudo embaraça, senão tolhe, inclusive liquida a esperança em viverem-se melhores dias.
Com efeito, estas duas particularidades muito lamentáveis da política nacional – os seus pecados capitais – decorrem do país, por um lado, ter sido levado a perfilhar uma política de relacionamento com o exterior que obriga a claros compromissos internacionais, quaisquer deles reveladores duma indiscutível dependência política de feição ideológica, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a União Europeia (UE) mas, também, por outro lado, a ter sido elaborada uma Constituição Política inadequada, desactualizada e permeável, em absoluto, ao querer político discricionário das classes sociais possidentes, por sua natureza tradicional nada democráticas e muito subservientes ao pensamento e às decisões vindas do exterior, afinal, donde vem a protecção bastante para assegurar-lhes a manutenção dos seus interesses e privilégios.
A História nacional, a seu crédito – por desgraça – já contem exemplos bastantes de opções políticas de subserviência ao estrangeiro. Dever-se-á repetir? É correcto repetir-se?
A Constituição política em vigor foi formulada em dissonância flagrante com os condicionalismos históricos consequentes ao 25 de Abril, muito em especial, aqueles expressos com grande vigor político pela movimentação popular desencadeada por essa data revolucionária da História portuguesa.
Dependência e Constituição, tal como são dadas a observar pelos portugueses que não aceitam ver-se ludibriados, aconteceram por força dos vários interesses estratégicos alienígenos instalados entre nós e, bem sabido, operados com avonde, arrogância e à-vontade manifestos. Ao serviço de todos eles, dum e doutro lado da disputa internacional, estiveram, e estão, algumas das máquinas partidárias com maior ou menor representação no universo eleitoral português que, anos atrás, no caso disso, foram sinérgicas na regulação conjunta de quanto estivesse sob a alçada dos interesses estratégicos alienígenos, conversados e acordados logo após o final da Segunda Guerra Mundial. Hoje em dia, já lá vão uns bons anos, consumada a derrocada política dum dos lados, só um consegue manter-se com declarado poder de intromissão embora, por força das circunstâncias atinentes à sua evidente decadência (iniciada, sobretudo, com a derrota no Vietname) já tenha de sentir o contratempo importantíssimo da influência, a repercutir-se entre nós, da ascensão pronunciada dos interesses das potências continentais do centro europeu, consubstanciados na chamada União Europeia.
Os sucessivos responsáveis pela direcção política portuguesa liquidaram um necessário posicionamento internacional que, pelo menos, no caso português, com a sua História de oito séculos, devia tornar-se francamente autónomo, imensamente universalista e, jamais, como é, duma dependência servil e dum envolvimento lamentável naquilo que só pode entender-se como uma verdadeira criminalidade internacional.
A interdependência internacional não pode ser sinónimo de dependência nacional; a primeira faz falta, a segunda só prejudica.
Liquidou-se uma necessária Democracia, porquanto, em termos constitucionais nada foi inovado, porquanto, nunca houve a tentação de fugir-se à repetição bafienta do procedimento constitucional europeu utilizado durante os seus últimos dois séculos de História. Nada mais que um modelo constitucional ancorado na monotonia dum pensamento político desactualizado que, para mais e como sempre, prossegue numa formulação socialmente inadequada desde quando – já lá vão dois séculos – foi lançada pela chamada Revolução Francesa. Dele, na verdade, nada mais pode dizer-se que, na sua generalidade, foi uma cópia intempestiva e já, a seu tempo, sem a actualidade social mais necessária, daquele outro modelo inaugurado nos primórdios duma Democracia erigida, no século XIII, para servir, em exclusivo – como convinha – os interesses duns tantos, muito poucos, súbditos de sua majestade inglesa. Com deixou escrito Jean Jacques Rousseau “O povo inglês crê-se livre mas bem está enganado; só o é enquanto dura a eleição dos membros do Parlamento; assim que estes são eleitos, passa a ser um escravo; não é coisa alguma.”
Na conformidade da actual matriz constitucional adoptada para o nosso país tudo prosseguiu e insiste prosseguir sem que, duma forma elaborada com vista à justiça social, esteja soberanamente garantida a «admissão de todos a tomar parte no poder soberano do estado» como ditou o pensamento quase secular, de J. Stuart Mill.
Na Constituição de Abril pecou-se quanto à consistência necessária de imprimir-se a uma imprescindível democratização da economia nacional, designadamente na esfera das relações sociais de produção e na da redistribuição da riqueza nacional. À sua margem, mas a seu par, numa correlação estreita, o 25 de Novembro conseguiu debilitar o poder da intervenção política da população trabalhadora e incrementou, com intenção deliberada, a força política dos possidentes comprometida como estava, e está, com os interesses económicos e políticos do exterior. Tudo somado, começou a fazer sentir-se ruir a já débil estrutura do tecido económico português, fragilizada como estava, pelas incidências duma guerra colonial com mais dum decénio de duração e, também, por um consequente, mas indiscutivelmente necessário processo de descolonização cujas repercussões de ordem vária foram e têm sido muito sentidas na vida portuguesa.
A Constituição de Abril não acompanhou como devia – dando-lhes o acolhimento legal mais necessário – as transformações sociais com que a população portuguesa, no pós-25 de Abril, respondeu ao pesadelo dos cinquenta anos da ditadura salazarista e, pelo contrário, o texto fundamental da República, tal como está expresso, deixou aberto o caminho para a rápida reinstalação do regime capitalista porém, desta feita, agravado na sua capacidade de exploração dos Homens e das Mulheres por força das vestes mafiosas dum neoliberalismo imperante. Não muitos anos após o 25 de Abril, à sombra do disposto na Constituição da República, para reverter-se à situação da preponderância tradicional dos interesses privados, entre outras manifestações de animosidade contra o sector público da economia nacional, recorreu-se à política das privatizações e à recusa, em crescendo e com consequências demolidoras, dos apoios económicos e financeiros imprescindíveis ao sector nacional público, por desígnio, àquelas suas fracções de interesse estratégico vital quantas delas, isso é inquestionável, representadas pelas pequenas e nas médias empresas.
A obra do desgaste intencional do tecido económico português abriu espaço para que a mão dos manobradores dos serviços de inteligência estabelecidos em Portugal soubesse introduzir na mente dos portugueses ser-lhes imprescindível considerar imperiosa a procura de albergue no, então, Mercado Comum, a antecâmara do federalismo europeísta hegemonizado pelos imperialismos germânico e francês. O modelo económico português consequente à sua integração subsidiária na política expansionista dos estados continentais do centro da União Europeia foi transformado, por inevitável, numa dependência do exterior e é aquele a que os governos, os possidentes e a comunicação social, com perseverança, fazem a referência mais exaltante e concedem o acordo máximo. É, afinal, o modelo que, pela força alienante transportada, tem-se mostrado mais capaz de permitir aos sectores socio-económicos nacionais com maior dominância, conseguirem vingar no plano eleitoral, mesmo que tenham de provocar toda a espécie de sacrifícios à população.
Essa política de dependência prossegue com uma metodologia de acção e uma definição de objectivos que só retratam e só satisfazem as necessidades e as vantagens dos detentores do grande capital sabendo-se que dentre estes todos, é reconhecível, que quem mais ganha são aqueles eminentemente especuladores e, notório, os mais ligados ao aparelho burocrático do estado, ás organizações iniciáticas e às máfias instaladas nos aparelhos político-partidários. Tudo é feito como seja para dar a primazia máxima a uma economia posta ao serviço desses possidentes o que, na vida real, nada mais é que tudo sujeitar à determinação ideológica – enganadora, por natureza – de querer enriquecer uns poucos à custa de muitos, tudo exposto com a argumentação falaciosa que, esses poucos, em consequência, num tempo mais ou menos breve, produto da sua bela navegação pelo mar da economia de mercado, venham, depois, a dar aos seus serventuários um qualquer retorno financeiro proporcionalmente justo – equitativo – face às mais valias acumuladas. Com tanto idealismo a funcionar e com tanta “pureza de princípios” a agir, vejam-se os resultados decorrentes traduzidos, como regra, em grandes fortunas para muito poucos e em desemprego, precariedade e pobreza para muitíssimos outros. A economia para ser uma ciência digna desse nome deve estudar, investigar e promover o valor do uso e não o da troca, por exacto, aquilo que a Constituição portuguesa não preconizou nem sequer aflorou, como era obrigatório fazer-se dado que, conforme o preâmbulo constitucional, está indicado dever caminhar-se para o socialismo. Nestes termos, sem hesitações, impunha-se que quaisquer réditos substanciais acumulados, não pudessem ficar em mãos privadas, pelo menos, tão magnanimamente como, por generosidade, é prescrito pelos menos radicais.
Com efeito, as insuficiências constitucionais ou, pelo menos, o enviesar, quanto baste, dos seus preceitos instituídos tornam-se, quaisquer deles, propiciadores duma alienação muito generalizada e dum divórcio muito acentuado do exercício duma cidadania activa, interveniente e institucionalmente operacional que, com toda a realidade, e em toda a extensão, possa fazer sentir-se, possa saber dizer tudo aquilo, e tudo quanto é seu desejo indeclinável inclusive, caso disso, com convicção, possa, tão-somente, querer dizer não.
Tanto a dependência do exterior, aceite e mantida como, por igual, a Constituição da República aprovada, vista e revista, sem nunca ser plebiscitada pelo voto popular, uma e outra, são os dois pecados capitais que não deviam ter sido impostos ao país. Urge afastá-los.
terça-feira, 18 de maio de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário