sábado, 29 de maio de 2010

Sobre Arsénio Mota


António Gomes Marques

No passado dia 21 de Maio, a Sociedade Portuguesa de Autores, dentro das comemorações do seu 85.º aniversário e o Dia do Autor Português, entregou as Medalhas de Honra da SPA a alguns dos cooperadores «que se encontram em fase avançada da sua carreira, sendo uma forma de reconhecimento pelo trabalho realizado em diversas áreas criativas.» Entre os galardoados com esta medalha encontra-se o meu amigo Arsénio Mota, que já vai nos 55 anos de escrita. Ora, há cerca de 5 anos, a Campo das Letras, com o patrocínio da Fundação Eng.º António de Almeida, publicou «Arsénio Mota – 50 anos de escrita», para cuja edição contribuí com o texto que se segue:

PARA O MEU AMIGO ARSÉNIO

Como é que se pode falar de um amigo, sobretudo quando se pretende que outros leiam o que dele pensamos? Será talvez voltando ao início de tudo o que vivemos em conjunto nestes últimos 30 anos.

Recordemos então.

Tudo começou em 1975, quando o Luís, da Livraria Ler, em Campo de Ourique-Lisboa, me disse: «Vou publicar um livro de que vais gostar.» Tratava-se de Um País de Pequenos Burgueses, de um tal Arsénio Mota, de quem eu tinha ouvido falar vagamente, sempre o associando ao jornalismo e, especialmente, ao «Jornal do Fundão».

O Luís tinha razão, gostei mesmo do livro! E de tal maneira gostei que me apressei a telefonar ao autor, pedindo-lhe um encontro, a que ele acedeu de imediato, levando-me a, mais uma vez, rumar à, para mim, querida cidade do Porto.

Na altura estava eu embrenhado, com outros companheiros, em mais uma ilusão, criada por aquele tempo maravilhoso que vivemos a seguir ao 25 de Abril. Pensávamos então que seria possível pôr os trabalhadores deste nosso Portugal a ler obras que tivessem a ver com a construção do seu (nosso) futuro, se essas obras lhes chegassem a preços módicos e através das estruturas de trabalhadores. Algumas obras se publicaram, nomeadamente dois livros para crianças com co-autoria do Arsénio. As obras lá se foram vendendo, mas os únicos trabalhadores por conta de outrem que os adquiriram tinham suficiente poder de compra para o fazer e tinham já hábitos de leitura.

Mas voltemos ao Porto, aonde me dirigi, com um outro parceiro da ilusão e com as nossas companheiras, ao encontro do Arsénio. Conversámos e o Arsénio não quis tirar-nos as ilusões, apoiando mesmo a ideia, embora a sua experiência em projectos semelhantes lhe tivesse saído financeiramente muito cara. Claro que o 25 de Abril também lhe tinha aumentado as esperanças e o seu apoio logo nos foi disponibilizado.

Houve um outro facto que nos fez olhar para o Arsénio com uma grande empatia: não aceitou que ficássemos num hotel, cedeu-nos duas camas no apartamento que então tinha na Rua de Monsanto. Lembremos que apenas tínhamos contactado pelo telefone e que, pessoalmente, foi a primeira vez que falámos! Nasceu assim uma amizade que perdura, cada vez mais forte.

A sua generosidade logo ali ficou demonstrada, generosidade essa de que sempre deu provas ao longo de todos estes anos, nomeadamente ao chamar a atenção para os poetas e outras figuras das artes e das letras da sua terra de origem, a sua querida Bairrada.

Às vezes surgem discordâncias nas nossas discussões, onde a sua casmurrice é mais constante do que a minha, naturalmente por eu, nas discussões, ser bem mais dialéctico do que ele, mas no fim lá acabamos por nos entender.

Os encontros tornaram-se constantes, em Lisboa e no Porto, e em algumas viagens por esse Mundo também tivemos a sua companhia.

A leitura da sua obra tornou-se um hábito, não só por desejo de a conhecer, mas também por o Arsénio me passar a enviar os seus livros, à medida que foram sendo publicados.

É o Arsénio detentor de uma linguagem clara, cheia de luz, de uma linguagem que sentimos estar-nos próxima, direi mesmo de uma linguagem que sentimos familiar. Sentimo-lo na ficção, mas sobretudo na crónica, de que o Arsénio é um dos excelentes cultores, cronista atento ao seu e nosso tempo, cronista que nos chama a atenção para os pormenores que nos vão escapando e que, se mais atentos a eles estivéssemos, melhor saberíamos viver as oportunidades que a vida nos vai possibilitando. A título de exemplo, leia-se o Som de Origem. Desta opinião, a sua excelência no cultivo da crónica, não partilha o Arsénio, naturalmente por gostar de ser mais considerado como autor de ficção e, especialmente, de livros para a infância e juventude, que ele tem cultivado com êxito, mas que é também uma parte da sua obra, significativa é certo, que não me sinto capaz de criticar. Vejamos porquê:

Um dia, o Arsénio enviou-me o livro de contos A Última Aposta e o livro para os jovens Os Segredos do Subterrâneo, dactilografados, pedindo a minha opinião. Do primeiro disse o melhor; do segundo fui talvez exageradamente crítico, ou seja, não gostei. Mais tarde, foram ambos publicados, mas Os Segredos do Subterrâneo receberam o prémio do «Ano Internacional da Juventude», 1986, o que me retirou todas as veleidades, se algum dia as tive, de vir a ser crítico de obras para a infância e juventude.

A terminar, pois já esgotei o espaço que me deram, direi ainda que na obra de Arsénio Mota se sente a realidade do nosso tempo, o que faz dele, hoje, um dos autores vivos da literatura portuguesa.

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