domingo, 13 de junho de 2010

O Osso de Mafoma, de António Macedo, ou do Cristianismo e do Islamismo - II

António Gomes Marques

IV - De volta ao Osso de Mafoma


Educados em religiões diferentes, estariam os dois amantes GARSEANO e ZULAYIA (ÁGATA), personagens centrais do drama, condenados à separação?

Se é certo que o AMOR tem a força que todos hoje reconhecemos, não é menos certo que os dogmas de uma e outra religião não são assim tão impeditivos da união de um(a) fiel do cristianismo com uma (um) fiel do islamismo.

No Corão podemos ler que Abraão foi o fundador de Meca e que foi em Jerusalém que Maomé subiu ao céu onde viria a encontrar os profetas do Antigo Testamento.

Na tradição do islamismo aparece Moisés aconselhando Maomé a pedir a Deus uma diminuição do número de orações diárias, tendo assim ficado reduzidas a cinco.

Para além, portanto, das personagens bíblicas comuns às duas religiões (e também ao judaísmo), Jesus no Corão é considerado como um Profeta, reconhecido como filho de Maria e aceita-se mesmo a virgindade desta. No Corão Jesus é visto como detentor do espírito de Deus, embora sendo rejeitado como filho de Deus e não aceite o episódio da crucificação.

Cristãos houve que, no século VII, pretenderam explicar o islamismo como uma adaptação árabe do cristianismo.

Se as semelhanças das duas religiões são muitas, naturalmente por muitas das influências recebidas serem comuns, há que não esquecer algumas das diferenças fundamentais como, por exemplo, a oposição do islamismo à crença na Santíssima Trindade (reunião de três pessoas num só Deus) e a sua rejeição dos conceitos do pecado original e da redenção.

No jornal PÚBLICO, de 11 de Outubro de 1990, o especialista em Cultura Islâmica, Professor Nassir El-Din El Assad dizia: "... nós, os muçulmanos, não pensamos que haja diferenças importantes em termos dos valores fundamentais entre a civilização islâmica e a cristã. O Ocidente devia compreender uma coisa: os muçulmanos acreditam no cristianismo e no judaísmo. Acreditamos que Jesus Cristo e Moisés foram profetas, mensageiros de Deus. Por isso, temos um especial afecto pelos cristãos e judeus. Não podemos ser seus inimigos, de acordo com a nossa religião. Há apenas um Deus, que criou todas as criaturas e enviou Moisés, Cristo e Maomé como seus mensageiros. Há algumas diferenças devido a esta sequência temporal mas, no fundamental, são uma só religião e sentem necessidade de dialogar entre si".


V – A terminar

Nos tempos conturbados que vivemos, quando alguém se refere à violência contida na Bíblia, logo os seguidores do cristianismo e/ou do judaísmo apelam para uma leitura simbólica, mas o mesmo apelo não surge quando a referência é ao Corão, o que hoje é mais constante por causa do terrorismo dos fundamentalistas islâmicos.

Sugerimos apenas a leitura de uma passagem da Bíblia, contida em «O quinto livro de Moisés chamado DEUTERONÓMIO, bastando os capítulos XII e XIII, para nos apercebermos da violência contida neste livro sagrado para milhões de crentes, cristãos e judeus (vol. II, da edição do Círculo de Leitores, trad. de João Ferreira Annes d’ Almeida). Ora, se aceitarmos, e nós aceitamos, a necessidade da tal leitura simbólica, teremos de aceitar, de igual modo, que semelhante leitura se faça do Corão. Se para contrariarmos tal leitura invocarmos o já referido terrorismo islâmico, não podemos deixar de pensar que tal terrorismo é praticado pelos fundamentalistas islâmicos e não pelos milhões e milhões de seguidores de Maomé, assim como não podemos esquecer o terrorismo de estado praticado há décadas por Israel, os fiéis seguidores da Bíblia. E que nome dar às acções praticadas pelos militares às ordens de Bush, Cheyney e Rumsfeld no Iraque?

Escrevo este texto não sendo seguidor de qualquer religião, podendo mesmo considerar-me ateu, não fosse esta classificação poder atribuir-me o epíteto de pessoa sem dúvidas, o que é impossível para uma pessoa que à filosofia dedicou e dedica muito do seu tempo, a dúvida faz parte da minha vida. Não crente em nenhuma religião me considero, mas sem esquecer as influências do cristianismo na minha formação e na formação do que chamamos civilização ocidental, como também me considero respeitador da diferença e respeitador do outro.

Estudemos pois um pouco de duas das grandes religiões, considerando que este texto mais não pretende do que abrir um de muitos caminhos para tal estudo, sobretudo para aqueles que mais dificuldades tenham em encontrar as necessárias fontes.

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BIBLIOGRAFIA

1 – J .G. Davies -As Origens do Cristianismo, trad. de Jorge Feio, Ed. Arcádia, Lx. 1967.


2 – Fazlur Rahman - O Islamismo, trad. de J. Teixeira de Aguilar, Ed. Arcádia, Lx. 1970.


3 - Dominique Sourdel - L'Islam Médiéval, P.UF., Paris 1979.


4 - João Silva de Sousa - Religião e Direito no Alcorão, Ed. Estampa, Lx. 1986.


5 - François Châtelet, Dir. de - História da Filosofia-2: A Filosofia Medieval, trad. de Afonso Casais Ribeiro, Linda Xavier e Manuel Lopes, Publ. D. Quixote, Lx. 1974.


6 - Edward McNall Burns - História da Civilização Ocidental - 2 volumes, trad. de Lourival Gomes Machado e Lourdes Santos Machado, Ed. Globo, Rio de Janeiro 1957.


7 - Novo Testamento, versão do Padre Matos Soares, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto 1956.


8 - Collier's Encyclopedia, Mac Millan Educacional Company, New York 1989.


9 - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo Editora.

1 comentário:

  1. Muito interessante. Vou ter de ler, embora tu, segundo me parece, já tenhas dito o essencial e «digerido» o trabalho por nós. Mais uma vez, me parece que a leitura do texto Professor Boaventura Sousa Santos - "As tensões da modernidade", introduzindo o seu conceito de "hermenêutica diatópica", é complementar. Talvez o publiquemos aqui. Mas terá de ser em fragmentos, pois é muito extenso. Bom trabalho, António.

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