Carlos Leça da Veiga
A quem mais convêm uma linguagem hermética?
Repare-se com atenção na Constituição da República Portuguesa e verifique-se como ela, no mais substancial, está dominada pela justificação racional do poder político. A proposição deste poder político têm uma pormenorização exaustiva das suas regras enquanto que todos os capítulos dirigidos à instituição dos direitos sociais promocionais têm uma explanação que pouco mais é que um somatório de promessas, “daquilo que deve ser”, “daquilo que deverá fazer-se”, “do que irá promover-se” porém sem que os articulados respectivos tenham qualquer indicação precisa e rigorosa do modo como essas disposições constitucionais têm de ser executados inclusive fiquem garantidas com firmeza indiscutível e inabalável.
A Constituição oferece e diz garantir direitos cuja concretização, como está escrito, compete ser efectivada pelo Estado, contudo, muito estranho, nada diz como será obrigatório fazê-lo e, muito importante, como pode e deve acontecer se os mesmos não forem cumpridos. E como conseguirá saber-se se, de facto, como foram cumpridos? E como pode um qualquer cidadão, coisa importante, reclamar a sua não concessão? As garantias efectivas de quaisquer não cumprimentos são dadas contra quê?
Não serão as afirmações dos juristas quem, em tempos posteriores, aparecerão a explicar quanto, desde logo, não está explicito no texto fundamental que, este, não é para ser lido só pelo hermetismo da linguagem dos juristas mas sim pela generalidade dos Cidadãos.
A afirmação, devidamente comprovada, que não foi cumprido um qualquer dos direitos sociais constitucionais deveria ter uma sanção imediata, prevista e estipulada pela própria Constituição – as tais garantias – como, por exemplo, obrigar à queda do Governo algo que, como as coisas estão, só poderá acontecer no caso imensamente distante de, por circunstância difícil de verificar-se, aquele Governo não ter a seu lado a maioria parlamentar. Acrescente-se que a interpretação dos direitos promocionais tem uma leitura constitucional, no mínimo, ambivalente e, como tal, é possível concluir-se, por exemplo, pela desculpa, fácil de invocar-se, da impossibilidade orçamental dum cumprimento adequado ou, como agora, pela invocação duma qualquer determinação chegada da ditadura de Bruxelas e escondida sob as roupagens do direito subsidiário. Tal como está disposto na actual Constituição da República, no Parlamento é que não e que nunca será sabida qual a explicação do não cumprimento cometido pois, nessa Assembleia, tem de haver uma maioria que suporta o Executivo e essa, por óbvio, não vai denunciar-se e condenar-se a si própria. Ser-se juiz em causa própria não pode ter validade probatória, muito menos capacidade para fazer justiça e só pode alicerçar uma ditadura.
Dizem os bonzos da política portuguesa que, na conformidade do sistema político em vigor, deverá saber-se do acerto duma deliberação parlamentar, do seu erro ou do seu incumprimento pelo executivo, na consulta eleitoral seguinte, isto é, anos após a falta ter sido cometida, situação que parece ser completamente despropositado já que, para além do mais, será fazer exactamente o contrário da tão propalada celeridade da justiça.
Já vem dos tempos quase imemoriais de E. Kant que «assim se a constituição permite a rebelião terá de declarar tal direito publicamente e dispor claramente sobre a respectiva aplicação». Na nossa, tudo quanto são direitos sociais – tão importantes quanto o da rebelião – não têm esta condição claramente explanada e feita com a conveniência mais exigível. A ambivalência e o carácter aleatório do enunciado dos direitos sociais inscritos na Constituição têm de considerar-se incompatíveis com a dignidade dum texto constitucional e são uma forte viciação da prática democrática.
A leitura duma Constituição política, quando feita por um cidadão comum, que não por um constitucionalista – e essa leitura é a que, na realidade, pode aduzir-lhe verdadeiro valor social e político – tem de ser vista, como é de justiça e, também, por evidência, como uma consequência adaptada à altura e ao decorrer das conveniências estratégicas, políticas, culturais, ecológicas e sociais do tempo histórico em que é usada e, por necessário, considerado o prazo previsto duma sua eventual revisão, tudo aprovado em obediência à vontade maioritária directa do universo eleitoral da população que não, como tem sido, pela vontade final dos Constituintes. Todos os cidadãos têm o dever de considerar-se constituintes e, assim, poderem apresentar quantos modelos constitucionais entenderem, contudo, a escolha dum deles – à semelhança quanto é feito com os programas eleitorais partidários – tem de ir a votos no universo eleitoral nacional.
sexta-feira, 11 de junho de 2010
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