Carlos Leça da Veiga
O Estado é o único capitalista português. Tudo mais, só patos-bravos.
Entre nós quem tudo paga é a população sem que ao Estado caiba a obrigação de gerar receitas para, senão conseguir satisfazer a totalidade da sua despesa institucional própria, ao menos minorar os encargos que têm de recair sobre os contribuintes sangrados, cada vez mais, pela força coerciva dos impostos. Essa função de gerar riqueza que, muitos anos atrás, os jogos do mercado permitiam poder realizar-se, já era assumida por uma grande comparticipação do Estado pese embora, como deveria, sem a grandeza mais desejável. Com efeito, neste sentido, o Estado mantinha em actividade constante os seus complexos militar e civil tanto industriais, como comerciais, agrícolas e de serviços com o que, ao gerar algumas receitas próprias, a sua política fiscal podia ser menos gravosa para a população. Com esse recurso funcional, aliás imprescindível e cujo incrementar deve ser uma exigência política, podia aliviar-se a carga dos impostos, máxime abolir aqueles com incidência nos rendimentos do trabalho. Num País em que, há dois séculos, com o fim do morgadio, foi destruída a acumulação primária do capital, então existente – o imobiliário urbano e rural – deixou de haver, não há, nem pode haver os tais “empreendedores” com potencial económico e financeiro significativo. Se não for o Estado – o único capitalista português – a tomar as iniciativas de investimento financeiro como conseguir criar-se emprego e desenvolver-se a economia?
Com o fim do morgadio no século XIX, no máximo, em duas ou três gerações estava liquidada a acumulação da riqueza em Portugal, logo, dito por outras palavras, o capitalismo português foi morto há muito e, este, não é uma coisa que, sem ter uma história com uma evolução própria e num fluir continuo, possa inventar-se, ou recriar-se, ao sabor dos apetites ideológicos de circunstância. Pode haver gentinha – que outro nome deve dar-se-lhe – com muitas posses patrimoniais económicas e financeiras contudo, capitalistas, na sua acepção verdadeira, com passado, presente e futuro, logo uns possidentes com alicerces sócio-económicos seguros, esses, em Portugal, há muitos anos deixou de havê-los. Houve, e há, patos bravos de várias procedências e com estatutos sociais diferentes que, de facto, cobrem um espectro alargado de actividades lucrativas porém, na falta do “pedigree” que lhes adorne a existência de capitalistas verdadeiros, jamais conseguem e conseguirão ter asas para voar. Nos últimos cem anos da história dos portugueses houve vários e sucessivos afloramentos sociais de ostentação financeira, alguns deles fruto duma irrecusável genialidade industrial ou comercial, contudo, os seus rastos não são detectáveis ou não mostram qualquer ampliação relevante e continuada capaz de exibir qualquer interesse significativo para a economia nacional.
Na verdade, a Constituição política em vigor não reflecte a evolução histórica nacional que é muito própria, dir-se-á, muito original, por desígnio, no que respeita à sua feição económica. Desta, a sua incidência socio-política não pode ignorar-se e, como tal, necessita ter o amparo duma resposta realista e não aqueloutra que faz parte da fantasia dos ideários partidários nacionais.
A Constituição, no seu Artigo 80º, anuncia que a organização económica assenta em sete princípios, um dos quais, afirma que poder económico seja subordinado ao poder político. Se na ordem interna a realidade só tem mostrado não ser assim, na externa, naquela determinada pela União Europeia, nessa, ninguém duvida ser exactamente ao contrário e tudo na conformidade das vontades dos estados franco e germânico. No Artigo 81º, está indicado que “incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social” promover, assegurar, garantir e adoptar um rol abundante de actividades para além de, diz-se, “eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio” e, também, “desenvolver relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país”. Do conjunto alargado das várias alíneas desta Artigo 81º que não passam de meras intenções, propósitos ou recomendações, merece estar-se atento, muito em especial, às alíneas a) e g). A primeira destas tem escrito, ser incumbência estatal “promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas………..”. Será minimamente razoável que o Estado possa ser, apenas, uma empresa promotora e não tenha de ser um realizador activo de tudo quanto diz respeito ao bem-estar populacional?
Será admissível que o Estado não disponha de instituições apropriadas para, sob a sua direcção directa e imediata, não só realizarem – o que é muito mais que promoverem – o aumento do tal bem-estar como, por igual, por força do seu peso económico, poderem refrear a tendência para os lucros abusadores que os privados gostam de ir buscar às actividades do mercado?
Será melhor que os lucros vão parar ao bolso do possidentes privados ou que sejam directamente incorporados no orçamento nacional?
Não será por, quem quer que seja, possa intervir livremente nos jogos do mercado que o Estado, para facilitar-lhe a vida, deverá afastar-se, bem pelo contrário, duma sua intervenção activa, necessariamente útil e moderadora.
Ainda, no âmbito do Artigo 81º, uma das “incumbências prioritárias do Estado” é, alínea g), “desenvolver as relações económicas com todos os povos ……….”, uma coisa difícil de compatibilizar com o envolvimento desse Estado em guerras de agressão – como está a fazê-lo – com povos com quem Portugal não tem quaisquer desaguisados, de quem não recebeu a mais simples ofensa nem, tão pouco, de quem pressentiu ser-lhe produzido qualquer prejuízo.
Embora deva defender-se a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção, o público, o privado e o cooperativo, não pode aceitar-se que a qualquer deles falte aquilo que aos outros é dado. Assim, se para os sectores cooperativo e privado, a Constituição indica, no Artigo 85º, que o estado tem a obrigação de estimular e apoiar a criação e a actividade de cooperativas e, no Artigo 86º, que tem aquela de incentivar a actividade empresarial, por mais estranho que possa parecer, em relação a si mesmo, sector estatal, a Constituição Política não obriga a haver quaisquer atitudes com um alcance semelhante aos facultados às outros dois sectores.
O número 2 do Artigo 82º indica que “o sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado e outras entidades públicas” e mais adiante, no Artigo 84º, indica, muito em geral, o que pertence ao domínio público, porém, nem uma só palavra sobre a impossibilidade da sua alienação, tal com, por igual, nem uma qualquer outra a propósito da obrigação de reforçar-se-lhe a presença e de incrementar-se-lhe a actividade já que, não pode recusar-se, em Portugal, o Estado é, de facto, o único capitalista digno de nota e, também, talvez por isso mesmo, quem na realidade suporta e incrementa toda a economia nacional. Deverá o assunto ficar à inteira discrição dos governos ou dos parlamentares?
O Estado e os seus pertences são propriedade dos eleitos ou dos eleitores?
Estariam os Constituintes, já em 1976, a querer abrir as portas às privatizações? Dá para pensar!
quinta-feira, 17 de junho de 2010
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As privatizações foram um esbulho, com os privados a investirem sem risco e num mercado sem concorrência.
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