Escrever
António Sales
Porque escrevo?
Não sei da mesma maneira que não sei porque fui sempre um amante da leitura e de jovem comecei a minha biblioteca. Em minha casa não existia um livro. Bom, existia a bíblia, missais de minha mãe, John, o Chauffeur Russo, Sou Maria, Saber Viver e o Coliseu Infantil. Felizmente ainda conservo todos.
Sem grandes delongas direi simplesmente que escrevo porque me apetece. Muitas vezes estou com a caixa craniana avariada e vai disto, ponho-me a escrever. È mais barato que ir ao médico e não tem despesa de farmácia para medicamentos. Dá-me prazer, digo, criar vidas ou tão prosaicamente desabafar comigo mesmo através da escrita que é uma espécie de confissão. Como jamais admiti sequer poder-me confessar ao padre, provavelmente mais por uma questão de fé que de pudor, prefiro confessar-me à escrita, ou seja, a um outro eu que não a mim mesmo. Muito embora pareça que escrevemos para nós, isso não é verdade porque fazemo-lo para um outro personagem em abstracto.
Escrever é assim uma espécie de loucura de um sujeito criador de universos onde existe sem existir, ama sem amar, sofre sem sofrer, ataca sem matar. Escrever é uma rota que isola mente e espírito transportando-os a um planeta imaginário suficientemente absorvente para eu me isolar do planeta real. Mas também é recordar, registar a vida em que participo com outros colegas interpretes desta gigantesca comédia humana (vai um chavão!) Escrever é um acto de inconfessáveis intimidades e reflexões que normalmente conduzem quem escreve ao desespero de transmitir, através dos olhos críticos da alma, as tristezas do mundo.
Quando escrevo salto o meu rio sem ponte para a outra margem. Aí me deixo ficar com um sorriso nos olhos a perscrutarem a pequenez de tudo quanto existe nesta margem onde realmente existo.
Nessa outra está o meu sol e a minha lua que iluminam uma ilha de solidão onde me divirto escrevendo.
E ainda bem que escreves, meu caro António Sales, pois tens dado um bom contributo às letras portuguesas. "Uma Mulher no Papel", por exemplo, ainda que não tenha tido o êxito que merecia, é um belo romance. A tua biografia do António Botto é excelente. Isto, para não falar no "Corpo Enigmático" ou no mais recente "Guardiães do Tempo", em que preservas memórias da tua Torres Vedras natal. Este último, recomendo-o vivamente ao nosso amigo Luís Rocha que tem um projecto semelhante para Castelo Branco - o teu livro é modelar para essa área. Já agora, vi há dias que há um outro escritor com o teu nome, as no Brasil - Antônio Sales. Também eu sofro dessa duplicação, um escritor Carlos Loures brasileiro. Ele que me desculpe, mas não gosto da sua poesia e nem sequer tenho, como tu, a sorte de haver um circunflexo a diferenciar-nos...
ResponderEliminarAntónio Sales, meu caro amigo, sempre que o teu nome é referido, logo me lembro do «nosso» Cine-clube de Torres Vedras, de que foste um grande impulsionador, ou mesmo o principal, clube esse que me levou à paixão pelo cinema. A minha militância no Cine-Clube iniciou-se um pouco antes da tua saída de Torres Vedras, era eu um miúdo da nossa Escola Secundária.
ResponderEliminarAnimaste a folha cultural do «Badaladas», o que eu fui acompanhando e, mais tarde, já em Lisboa, um dia, o Carlops Loures chamou-me a atenção para os teus livros e logo lhe falei do Cine-Clube.
Li com um enorme prazer «Uma Mulher no Papel» e estou de acordo com o Carlos Loures. De tal maneira gostei do teu romance que logo o emprestei ao José Peixoto, propondo-lhe fazermos uma adaptação ao teatro. A absorvente vida profissional de um e outro tem-nos impedido de levar por diante este projecto. O José Peixoto, de vez em quando, vai-me dizendo. «Avança tu com a adaptação». Quem sabe se um dia não avançarei mesmo e logo se verá se serei capaz de não desmerecer da tua bela obra, o que não será tarefa fácil.
O estrolabio cumpre na perfeição o objectivo primeiro de quem escreve. Ser lido!E com esta qualidade...
ResponderEliminarVocês é que o conhecem, mas eu sempre gostei do que o Sales escreve.
ResponderEliminarUm dia destes, apresento-te o Sales. Além de bom escritor, é uma maravilha de pessoa. Somos amigos há mais de quarenta anos - o que já é qualquer coisa.
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