Manuela Degerine
Capítulo LXIII
Décima sexta etapa: em Vilarinho (conclusão)
Uma das finlandesas percorreu no ano passado o Caminho Francês. Perguntam como é nos bombeiros, inquirem qual o meu roteiro, mostram o delas, em inglês, com partes traduzidas em espanhol; concluo que Gérard Rousse é, de longe, mais completo.
Por volta das sete, ouvimos bater à porta; as finlandesas abrem. São três caminhantes. Explicam-lhes que o abrigo está cheio. Continua a chover com força. Os peregrinos devem vir molhados e em Vilarinho não há pensões; têm portanto ou que ir a Vila do Conde ou que continuar até ao próximo albergue, em Rates, que fica a doze quilómetros. Verdade é que, mesmo no chão, com tanta tralha, falta espaço para tantos.
Entretanto eu escrevi e agora, sem ainda dormir, começo a descansar. Acentua-se a intensidade da chuva. Voltam a bater à porta, as finlandesas voltam a abrir; é mais um caminhante. Aqui dentro o número de pessoas já ultrapassa o número das camas. Repetem elas, porém ele insiste:
- Só preciso de espaço para estender o saco-cama. E de um duche...
Berram todas ao mesmo tempo:
- Não há água quente!
- Não preciso de água quente...
- Não?!
Soltam uma gargalhada e deixam-no entrar. Alto, moreno, aparenta uns quarenta anos. É italiano e vem de Ravena. A finlandesa mais nova torna-se de supetão toda risonha, oferece-lhe logo batatas fritas, quase empresta o objecto prodigioso e, após concílio em finlandês, propõe os colchões de espuma que aqui estão para os viajantes supranumerários. Ela dormirá com a mãe no beliche.
Em seguida concentram, como podem, as bagagens no espaço entre os beliches – o italiano consegue instalar as botas, a mochila e o saco-cama entre os beliches e a bancada. E vai tomar um duche frio. Depois conta que chegou ontem de Ravena, esta manhã visitou as caves do vinho do Porto, começando depois já tarde a caminhada.
- Gostava que provassem uma especialidade da minha região.
Tira do saco uma placa de torrão com hóstia.
- Partam bocadões muito grandes, por favor, para amanhã eu ir mais leve!
- Como se diz amêndoa em italiano?
- Mandorla.
Eu acho delicioso, a finlandesa gorda acha calórico, o italiano sublinha que, para caminhar, precisamos de energia e, dali a pouco, concluídas as apresentações, apagam-se as luzes – preveni que o despertador toca às seis.
Com esta densidade humana num espaço tão reduzido: está afinal calor. E eu, na cama superior do beliche, quase a tocar no tecto, com toda a roupa seca vestida: transpiro. Vou despindo as camadas exteriores: continuo a transpirar. Quando é que senti calor pela última vez durante a noite? Creio que em Coimbra. Já não estou habituada.
Talvez por isso, agora não durmo. A finlandesa mais gorda parece um trombone desafinado e, por volta das quatro horas, parece que nos despejam uma barragem para cima do telhado – chego a temer uma enxurrada.
Já não volto a adormecer. Por isso, às seis horas, fecho o saco-cama e a roupa seca na mochila, visto a roupa molhada – e saio. Ainda bem que nos dormitórios tenho o cuidado de arrumar tudo antes de me deitar: hoje seria impossível partir sem deixar metade dos necessários bens. As finlandesas ainda dormem. O italiano, incomodado com os roncos, levou as bagagens para a rua – está a arrumar a mochila. Despedimo-nos:
- Boa viagem!
quinta-feira, 29 de julho de 2010
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O meu sobrinho namorou com uma Filandesa e trazia-a cá para casa.Grande e gorda, e mais tarde racista.
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