quinta-feira, 8 de julho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República - 51

Carlos Leça da Veiga


Uma outra Constituição Política


Não estamos a dizer que o homem que não se interessa pela política é um homem que se preocupa com os seus próprios assuntos; estamos a dizer que esse homem, aqui, em absoluto, não tem lugar.”

(Péricles, Discurso Fúnebre, segundo Tucídides)



A inexistência real dum desejável estado democrático e a subserviência política ao exterior, são condicionalismos nacionais da maior inconveniência, cada vez mais visíveis aos olhos de muitos portugueses que, em contradita, recusam aceitá-los e sentem o dever de exprobrá-los.

Ter a liberdade de falar, ouvir, ver, ler, transitar, reunir, contestar e votar, são aperfeiçoamentos sócio-políticos duma valia imensa que só a vontade decidida dum número sempre crescente de Homens e de Mulheres, mercê duma luta constante e sem quartel, conseguiu que, uns após outros, fossem acrescentados e incorporados no evoluir constante da Humanidade. Se, coisa incontestável, têm de considerar-se como instrumentos imprescindíveis e insubstituíveis para a edificação harmoniosa da Democracia, neste século XXI, já não bastam; exige-se mais e melhor. “De facto, defenderei que, na prática, existe uma ligação entre a democracia e a igualdade social e económica” são palavras irrecusáveis de Anthony Arblaster, dada ao mundo em 2004, na sua publicação «A Democracia».


É preciso reclamar uma nova Constituição de tal modo numa Terceira República possa beneficiar-se com a instituição duma Democracia do ser, do ter e do saber e em que a letra constitucional deixe de ser dúbia quanto à garantia da Independência Nacional, uma matéria intimamente conexa com a da Democracia, exactamente, porque uma sem a outra – veja-se a História – não sobrevivem; liquidam-se.

A cidadania dos tempos de agora e a do futuro têm de exigir, com firmeza redobrada, a impossibilidade definitiva da Lei Fundamental poder continuar a suportar arteirices legais e, também, bem pelo contrário, cada qual dos seus Artigos passe a ser exposto de tal maneira que cada cidadão fique a saber com quanto pode e deve contar, sem ter de sujeitar-se ao condicionalismo polimorfo das empoladas interpretações jurídicas.

Os direitos sociais não podem continuar sem estarem formal e definitivamente garantidos quanto à sua efectividade, ao invés de, como agora, nada mais serem que recomendações piedosas sujeitas às flutuações de interesses programáticos, regra muito geral e por completo, indesejáveis.

Desde 1822 que, em Portugal, têm sido ensaiados vários modelos de Constituição e, reconheça-se que, numa perspectiva popular ou, dito doutro modo, na visão da maioria da população, se nenhum deles provou ou deixou saudades terá, então, de continuar a procurar-se um que consiga satisfazer o mais possível. Ninguém deve imaginar a possibilidade duma obra constitucional perfeita mas sim duma que, sobretudo, e antes doutra coisa mais, elimine as deficiências e as insuficiências em curso.

Sempre deveu tentar aperfeiçoar-se o que está ao alcance das nossas mãos e uma Constituição é um acto de vontade que a Democracia exige seja obra dos Cidadãos e das Cidadãs. Trata-se duma incumbência que, de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode competir aos Cidadãos no livre exercício dos seus direitos fundamentais e não, como é norma corrente, a qualquer Assembleia ad hoc como foi a Constituinte de 1975, à qual ficou a dever-se o actual texto fundamental da República que, diga-se o que quiser, histórica e sociologicamente, é inapropriado e insuficiente.

O regime constitucional em vigor desde 1976 não conseguiu, nem consegue, satisfazer as ambições democráticas da população portuguesa já que, dentre elas, tem de avultar a exigência institucional duma comparticipação efectiva da população no exercício democrático do poder, ou seja, numa Democracia verdadeiramente participativa capaz de poder edificar, com solidez, as bases dum relacionamento cívico muito comprometido com a obrigatoriedade de estabelecer-se uma grande intimidade e muita confiança entre a população e a vida institucional dos Órgãos da Soberania. Só com o seu aperfeiçoamento continuado – que os próprios avanços da técnica permitem facilitar – é que será susceptível poder vir a oferecer-se, ao regime Democrático, a segurança mais desejada e, como assim, dele poderem obter-se os seus benefícios mais naturais.

Um modelo constitucional insuficiente e deficiente e, também, para tudo agravar, um posicionamento internacional de dependência política, económica, militar e cultural imposto pelo exterior são as duas principais perspectivas em curso que, desde logo, contrariam aquelas antevistas pelo 25 de Abril, designadamente, como a História já regista, as políticas de Democratizar, de Descolonizar e de Desenvolver.

Portugal, a população portuguesa, não tem uma verdadeira Democracia, já que a própria Constituição consegue viciá-la; não tem a Descolonização que bem merece, porquanto, se libertou as suas Colónias, continuou a ter de obedecer ao expansionismo político-militar da OTAN/EUAN e à colonização imposta pela União Europeia; não tem o desejado Desenvolvimento, já que só conhece o retrocesso acentuadíssimo dos indicadores de desenvolvimento e, também, hipocrisia das hipocrisias, aqueles atribuídos a uma retoma económica que, na verdade, se alguma vez chegar a acontecer, será, tão-somente, para os bolsos de muito poucos.

No Preâmbulo da Constituição da República portuguesa está expressa a “decisão do povo português ………de abrir caminho para uma sociedade socialista……”, porém, sob o pretexto duma integração internacional multilateral, primeiro económica e, mais tarde política, Portugal tornou-se parceiro submisso dos capitalismo expansionistas e revanchistas do centro da Europa continental para mais – aposta estúpida – desde há uns anos, com maior ou menor visibilidade, em descalabro económico constante cuja rectificação já só consegue mostrar-se impossível. O Tratado chamado de Lisboa – uma ânsia intempestiva de algo querer salvar – nada mais é que a manta para tapar a cabeça enquanto, ao mesmo tempo, destapa os pés. Nesta circunstância está à vista a instituição reforçada da “democracia das assimetrias sócio-económicas”, uma circunstância que a actual Constituição da República Portuguesa não tem capacidade para contrariar, muito menos impedir e a que a submissão insofismável à actual dependência do exterior – como na Historia portuguesa nunca houve – só trás os piores augúrios.

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