Adão Cruz
Não sei muito bem o que fazer nas férias. Não gosto de praia, não gosto de viagens programadas em grupo, não gosto de cruzeiros, enfiarem-me num resort qualquer é pior do que me enfiarem em Custóias. Só gosto de viajar, mas de carro, sem destino, ao deus-dará. Foi o que fiz na passada semana. Vi, por acaso, uma exposição de André Brasilier no Chateaux de Chenonceaux, e mal cheguei, fiz dois quadros, mais ou menos dentro da sua linha, a qual tem algumas semelhanças com a minha, ou melhor, a minha tem algumas semelhanças com a dele. Provavelmente, amanhã farei deles um post. Cheguei de férias.
Mas onde eu queria chegar era ao periquito. Não é que eu não goste de animais. Gosto sim senhor, mas sempre que possível em casa dos outros. Um amigo meu, pintor, ofereceu-me um periquito. Em princípio tudo bem. Um periquito não é assim uma coisa que atemorize. Porém, este periquito foi o único ser e produto que, em toda a minha vida, funcionou de alergéneo e me ofereceu uma bronquite aguda asmatiforme que me obrigou a enfiar com o gajo na marquise. Entre a marquise e a cozinha há uma janela, através da qual eu vejo e converso com o periquito. Sim, converso com ele. Cheguei ontem. Quando chego e abro a janela, o bichinho está mudo que nem uma pedra. Então chamo várias vezes por ele: pilinhas, pilinhas, pilinhas! Venha daí uma sinfonia. Ele concentra-se, mantém alguns minutos de silêncio e manda três assobiadelas estridentes. Um pouco como aqueles três morteiros que antecedem o fogo de artifício no rio Douro. Daí em diante é um ver se te avias. Sonatas, serenatas, zarzuelas, música de câmara, sinfonias, eu sei lá! Quando eu lhe digo, Pilinhas agora é mesmo de escacha pessegueiro, ele abre a goela e chilreia de tal modo que parece uma estrela de rock, até se empoleira de papo para o ar.
Eu vivo sozinho, embora tenha a frequente presença dos meus filhos e netos. Estou cheio de mulheres, melhor dizendo, estou cheio das incomensuráveis complicações que as mulheres acarretam. De mulheres não estou cheio, obviamente, até porque as vejo na rua e sei o prazer que delas conseguiria obter. Mas vivo sozinho. E em vez de mulher... há um periquito. Nunca na vida pensei que um insignificante periquito fizesse a companhia que faz. Ao fim e ao cabo, tudo nesta vida é relativo.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Que bela prosa! E como alinho no quanto às vezes é difícil não ter com quem falar!...
ResponderEliminarJá tive um piriquito que me entrou pela janela, acabei por acolher, comprar gaiola, mas que depois fui dar a uma loja. Esse não cantava, só me dava trabalho e não recebia nada de volta. Nunca gostei de ver fechados os animais que se devem movimentar em grandes espaços. Já com cães e gatos sou mais egoista e esse factor atiro para trás das costas. E se falava com eles... que me seguiam pela casa toda - a gata e a cadela - se sentava uma em cima do teclado, outra no sofá ao lado. Sinto tanto a falta delas!
Agora, até certo ponto, e nas horas em casa, muitas vezes sem interlocotor, falo convosco...
Tenho encontrado verdadeiras pérolas neste Arquivo :))) Eu nunca diria que tenho dois gatos pelas incomensuráveis complicações que os homens acarretam. E eu nisso até sou Professora Doutora com maiúscula.
ResponderEliminar