quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Paulo Nozolino e o Prémio AICA/MC

António Gomes Marques


Falar hoje de Paulo Nozolino é falar, inevitavelmente, dos Prémios AICA/MC, ou vice-versa, e apenas por o artista ter tido a coragem de devolver o prémio que lhe atribuíram, ao qual, é bom reter este ponto, não concorreu; ou seja, os prémios AICA são atribuídos por um júri idóneo, o qual decidiu atribuir o prémio de Artes Plásticas relativo a 2009 a Paulo Nozolino. Depois desta decisão, a única discussão possível seria concordarmos ou discordarmos do júri. Mas a discussão não é essa; estamos em Portugal e, no nosso país, tudo o que à cultura respeita é diferente.

Façamos uma pequena pausa acerca do que pretendemos dizer e falemos um pouco dos prémios AICA/MC, utilizando a informação, sem alterar uma vírgula sequer, da Direcção-Geral das Artes:

Entre 1968 e 1972, a Associação Internacional dos Críticos de Arte [AICA] atribuiu os prémios SOQUIL de artes plásticas, através de um júri fixo constituído por José Augusto França, Rui Mário Gonçalves e Fernando Pernes.

Interrompido durante oito anos, o prémio "regressou", em 1981, por iniciativa da Divisão de Artes Plásticas da Direcção-Geral da Acção Cultural/SEC (Secretaria de Estado da Cultura), em moldes que ainda hoje se mantêm.

O Ministério da Cultura é responsável pela atribuição dos Prémios AICA - Artes Plásticas e Arquitectura desde aquele ano, fazendo-o através do então IAC [Instituto de Arte Contemporânea], depois IA [Instituto das Artes], e presentemente DGArtes [Direcção-Geral das Artes].
[...]

Os Prémios AICA - Artes Plásticas e Arquitectura são constituídos por uma dotação em dinheiro, suportada pela Direcção-Geral das Artes, no valor de 20.000,00 Euros (10.000,00 Euros para as artes plásticas e igual montante para a arquitectura).

Mas há outros prémios para os artistas portugueses, nomeadamente aqueles a que têm de, voluntariamente, concorrer, tendo estes prémios uma particularidade: estão isentos de impostos! Ou seja, suponhamos um artista qualquer, cravado de dívidas à Segurança Social e/ou às Finanças, que concorre a um destes prémios e que tem a sorte de ser premiado, recebe o dinheiro e aquelas entidades chucham no dedo e têm de espreitar outra oportunidade para se ressarcir das dívidas do artista.

Voltemos agora aos prémios AICA/MC, em que um artista é escolhido por um júri, que lhe atribui um prémio ao qual ele não concorreu, e, para o receber, tem de logo pagar 10% de IRS, como se se tratasse de uma prestação de trabalho do artista ao Ministério da Cultura, a que chamam Prémio AICA/MC. Mas, mais grave ainda, para o receber, o artista premiado tem, ainda, de provar ao Estado que é uma pessoa de bem e que nada deve a esse mesmo Estado! Ou seja, o Estado dá um prémio a um artista, para o qual ele não é ouvido, mas antes de lhe entregar o cheque parte do princípio que o artista é desonesto e, primeiro, terá de provar que, pelo contrário, é uma pessoa honrada e acima de qualquer suspeita.

Claro que o Estado tem de ir buscar o dinheiro a algum lado e o mais fácil é sempre sacar a quem se sabe que tem ali uns dinheirinhos ganhos com o suor do seu rosto. E, meus amigos, se assim não fosse, como é que os grandes accionistas das PT's deste nosso Portugal poderiam ser isentos de impostos nos grandes negócios?

Paulo Nozolino fez o que uma pessoa de bem tem de fazer: rejeitou o prémio. Foi, sem dúvida, um acto de coragem, louvado por todas as pessoas de bem. A Paulo Nozolino nada mais poderemos exigir. E a nós? Ficamos satisfeitos com a divulgação de tal acto de coragem? É bastante esta nossa acção?

Que fazer?

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