sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Ruy Duarte de Carvalho no Terreiro da Lusofonia

EM LOUVOR DO ESCRITOR ANGOLANO RUY DUARTE DE CARVALHO


(1941-2010)

Manuel Simões

Os jornais de 13 de Agosto davam a notícia inesperada de ter sido encontrado morto no dia anterior, em Swakopmund, a segunda cidade da Namíbia, onde se tinha instalado nos últimos anos, este grande escritor de língua portuguesa, quase desconhecido em Portugal, não obstante o Centro Cultural de Belém lhe ter dedicado um ciclo retrospectivo em 2008, de cujo catálogo era possível avaliar a grande dimensão da sua obra repartida por poesia, ficção, ensaio, mas igualmente cinema e fotografia.

Nascido em Santarém foi, ainda criança, para Moçâmedes(Angola), acompanhando a família que “emigrava arruinada mas servida ainda de criada branca e acompanhada de cães de caça”, como viria a escrever num texto autobiográfico. O pai foi um aventureiro, caçador de elefantes vagueando no Sul de Angola, onde Ruy Duarte cresceu. Este voltou a Portugal para fazer o curso de regente agrícola na cidade onde deu “conta da luz do mundo” (a expressão é sua) e, em 1960, com 19 anos, regressou definitivamente a Angola, já então identificado com a terra africana, tendo-se mais tarde naturalizado angolano.

Viajou pelo mundo com o objectivo da observação e do conhecimento de povos e culturas diversos. Antes da independência, conseguiu chegar a Argel para contactar os quadros da luta mas, segundo ele, não o tomaram muito a sério. A sua condição de viajante levou-o depois a estudar cinema em Londres, actividade a que se dedicou entre 1975 e 1981 (cerca de vinte horas de cinema documentário) e antropologia em Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (1979-1986). A antropologia acabaria por marcar o observador e investigador e a reflectir-se na sua obra ensaística mas igualmente na ficção e na poesia. Por exemplo, o seu livro Ondula, Savana Branca (1ª ed. 1982) é um exercício poético à volta de testemunhos da expressão oral africana, partindo das fontes recolhidas em trabalho de campo; e o volume Observação Directa, para além da recuperação de provérbios e da poesia popular pastoril, é o produto de recolhas suas feitas no terreno. Como ele próprio refere na introdução a este volume. “O diário sai mesmo do diário que mantenho quando saio de Luanda e ando pelo sul, a olhar e a tirar notas”. De resto, sabe-se que, a partir de 1992, cumpria o programa de ir passar cinco meses, todos os anos, misturado com os pastores do Namibe.

Autor de onde títulos de poesia, desde Chão de Oferta (1972), passando por Lavra Paralela (1987) ou Hábito da Terra (1988) até Ordem de Esquecimento (1997) e o já citado volume Observação Directa (2000), não são menos importantes os seus livros de ficção, de que se destacam, entre outros, Como se o Mundo não Tivesse Leste (1977), a importante narrativa Vou lá Visitar Pastores (1999) e Os Papéis do Inglês (2000), “narrativa breve e feita agora (1999/2000) da invenção completa da estória de um inglês que em 1923 se suicidou no Kwando depois de ter morto tudo à sua volta segundo uma sucinta crónica de Henrique Galvão”. Três obras que foram editadas em Portugal, a primeira pela Ed. Vega e as outras pela Ed. Cotovia.

Do seu imenso universo literário, transcreve-se aqui um texto que nos legou como “arte poética”, paradigma que viria a constituir o profundo veio da sua escrita, de grande originalidade e rigor formal:


APRENDIZAGEM DO DIZER FESTIVO

Atento, desde sempre, às falas do lugar, nada sei dos sinais se os não confirmo no encontro da memória com a matriz, quando a carência impõe esforços de equilíbrio não entre o corpo e as formas que o sustêm mas entre as margens de uma paragem breve. Registo acasos que desmentem datas e só as não confndem porque é mesmo assim; regularmente e a confirmar a história. Que se constrói, a vida, um texto? Em busca das coordenadas recorro diligente à pauta de um compasso para saber no texto em que me inscrevo o que se sabe do que havia já, as leis que alguma angústia desvendasse, o legado da argúcia, a vocação da pausa.



Um texto é como um esforço de existir. A intenção de um lado, uma proposta vaga, uma moral herdada. Do outro lado o curso das palavras, a esteira do seu eco, os sons e os gestos seguidos uns aos outros, um som que pede um som e essa resposta é já um bolbo de emoção autónoma da força para florir madura, à revelia da intenção primeira.

Assim na vida, quero dizer, no texto. Uma questão de sons, de gestos repartidos, mas já uma cadência que depois está lá. A coerência a haver a comandar o ritmo e a garantir a forma. De que adianta iluminar-lhe o chão?


(De Hábito da Terra, Luanda, União dos Escritores Angolanos, 1988, p. 9).

2 comentários:

  1. Em geral todos podem dar alguma publicidade dos seus blogues aqui (http://alemguadiana.blogs.sapo.pt/107184.html), mas, por favor, não aproveitem os comentários para não falar no assunto e para só pôr essa propaganda. FAÇAM O FAVOR. Obrigado.

    Blogue do Além Guadiana.

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  2. Meu caro, o que se passa é que o estrolabio sempre que escreve algo sobre Olivença vai ao Além Guadiana avisar. Foi o que aconteceu desta vez.Obrigado e um abraço

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