segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Edmundo de Bettencourt

Carlos Loures

Nestes dias dedicados à poesia, tenho estado a recordar poetas que conheci e que já morreram. Hoje vou falar um pouco sobre Edmundo de Bettencourt,

Conheci Edmundo de Bettencourt numa tertúlia, uma das muitas, que se reunia nos fins de tarde no café Restauração da Rua 1º de Dezembro, no centro de Lisboa. Paravam por ali, além do poeta e cantor madeirense, o Alfredo Margarido, que viria a ser professor da Sorbonne e que hoje, jubilado, mantém a sua inteligência e grande saber ao serviço da cultura, o Manuel de Castro (1934-1971), um grande poeta quase desconhecido, às vezes, outro madeirense célebre, o Herberto Hélder. Mais raramente o Renato Ribeiro, com a sua mulher a Fernanda Barreira. Ocasionalmente, algum «imigrante» vindo do Gelo – era só atravessar a rua e andar meia dúzia de metros.

Edmundo Bettencourt, para além de notável poeta e ímpar cantor do fado de Coimbra, era uma pessoa afável, muito cordial, tentando atenuar com a sua delicadeza a frontalidade por vezes brutal de um Manuel de Castro que, talvez adivinhando a morte prematura, desistira já de ser simpático e dizia o que pensava. Por exemplo, eu aparecia por ali vindo da sede da RTP, onde então trabalhava. O fato e a gravata eram, por aqueles anos 60, uniforme obrigatório no tipo de funções que desempenhava. Pois o Manuel, esquecendo-se ou fingindo esquecer-se de que já tinha dito a mesma graça numerosas vezes, fazia sempre alusões pícaras ao meu aspecto burguês.

Foi na altura em que andava a organizar o terceiro número da revista «Pirâmide». Os dois primeiros números tinham reunido gente do «Gelo». Este terceiro, juntou colaboração de frequentadores da tertúlia do Restauração (embora tivesse também um poema inédito do argentino Rodolfo Alonso. E outro, igualmente escrito para a revista, do castelhano Ángel Crespo (1926-1995) que, anos depois, além de consagrado poeta, se converteria num dos principais pessoanos de língua castelhana. Edmundo Bettencourt colaborou com seis poemas, então inéditos, dos quais publico aqui um datado de 1954: «O Segredo e o Mistério». Os poemas eram acompanhados por um retrato do poeta, desenho inédito de Mário de Oliveira, que podemos ver acima.

Edmundo de Bettencourt nasceu em 1899 no Funchal. Quando estudante de Direito em Coimbra, fez parte da chamada «Geração de Oiro», onde pontificava o grande António Menano e o não menos virtuoso Artur Paredes, pai do Carlos. José Afonso, que ouvimos aqui a cantar um famoso poema de Bettencourt («Saudades de Coimbra»), considerava este o maior cantor de fado de Coimbra de todos os tempos (as suas canções eram acompanhadas pela guitarra de Paredes). Além do fado coimbrão, cantou também canções do folclore da Beira-Baixa, como «Senhora do Almortão». Como escritor, fez parte do grupo da revista «Presença». Em 1999, quando passava o centenário do seu nascimento, saiu uma antologia – «Poemas de Edmundo de Bettencourt», prefaciada e organizada por Herberto Hélder.

O Segredo e o Mistério

Mistérios a pouco e pouco vão morrendo
e extenuados de vigília os anjos
são afinal a sussurrantes sibilinas vozes
que desvendam adivinham segredos
atrás de sentinelas
cuja ferocidade é uma ironia de ternura…
Na palidez da luz
cercando uma velha cabeça
a quem um sono de embrião já tolda os olhos
sorriem enigmáticos os sonhos.

Ouçamos agora uma das mais conhecidas composições de Edmundo de Bettencourt,"Saudades de Coimbra". Canta o José Afonso:

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