terça-feira, 21 de setembro de 2010

José Pedro Machado - III


Carlos Loures

(Continuação)

Em Outubro de 1933, José Pedro conheceu também o padre Raul Machado de quem viria a ser grande amigo e colaborador. Travaram conhecimento nos claustros do antigo edifício da Faculdade de Letras. O sacerdote, mais velho nove anos e já portador de numerosos diplomas universitários, frequentava então o curso de Filologia Clássica. Porém, tendo ambos diversas cadeiras comuns. Uma grande amizade e uma profícua colaboração que só terminaria com o falecimento de Raul Machado, em 1962. As Charlas Linguísticas transmitidas pela RTP, durante cerca de três anos, a partir de Janeiro de 1958 e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, editado também a partir de 1958 em fascículos integrados no Boletim da Sociedade da Língua Portuguesa, foram apenas dois dos frutos dessa amizade de trinta anos.


Mas voltemos a José Pedro. Na Faculdade de Letras, onde leccionava como assistente a partir de 1940, deparou-se-lhe um ambiente de intriga e competição que não se coadunava com a sua maneira de ser. Perante essa circunstância, assumiu uma posição que, sendo a mais honesta, não foi a mais «conveniente», vindo no ano seguinte, por imperativos deontológicos, a apresentar a demissão e regressando ao seu lugar de professor efectivo do Ensino Técnico Profissional, como professor efectivo da Escola Industrial de Afonso Domingues, em Lisboa, da qual chegou a ser director interino. Fez parte de júris de admissão aos Institutos Industrial e Comercial de Lisboa e também aos estágios para professores efectivos do Ensino Técnico Profissional. A sua actividade como filólogo foi intensa: escreveu e publicou estudos em revistas e jornais portugueses e estrangeiros (revistas Vitória e Brotéria, boletins de instituições especializadas, etc., etc.), Trabalhos seus foram publicados em prestigiadas revistas – Bulletin Hispanique, Revista Lusitana, Romanitas, do Rio de Janeiro, Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, Boletim de Filologia, Ocidente, Revista de Portugal, Boletim Bibliográfico da Livraria Portugal, Anais da Câmara Municipal de Faro, etc., etc,, etc.. Deu conferências, foi a colóquios e congressos internacionais, escreveu artigos para jornais e conforme já dissemos manteve colunas semanais de «consultório linguístico», esclarecendo dúvidas a leitores e levantando pertinentes questões referentes ao idioma que compartilhamos com mais sete países... Uma bibliografia com mais de uma centena de títulos - estudos, ensaios, comentários críticos, prefácios, anotações e, sobretudo, obras infraestruturais do nosso idioma, reunidos em cerca de cinquenta edições, algumas delas de grande fôlego, como é o caso do Dicionário Etimológico, do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, do Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, do Grande Vocabulário da Língua Portuguesa...

Na homenagem que, em 2004, a Academia Portuguesa da História lhe prestou por ocasião do seu 90º aniversário, conferindo-lhe a dignidade de Académico de Mérito, salientou-se a publicação de uma colectânea de estudos, onde se reuniram textos do presidente da instituição, o professor e historiador Joaquim Veríssimo Serrão, de Justino Mendes de Almeida, de Aires do Nascimento e de muitos outros ilustres académicos.

Reconhecimento tardio (mais vale tarde do que nunca).

Membro da Academia Portuguesa da História, da Academia Brasileira de Filologia, da Academia Real Sueca de Belas Artes, História e Antiguidade, da Real Academia de la Historia, de Madrid, da Academia de Marinha, de Lisboa, da Sociedade Euclides da Cunha, do Paraná, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Academia Nacional de la Historia, de Caracas, da Sociedade da Língua Portuguesa, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, José Pedro Machado realizou conferências em diversos países (França, Suíça, Espanha, Itália, Brasil, a convite de academias e instituições universitárias. Reconhecido internacionalmente como grande lexicógrafo, só em 10 de Junho de 2007, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, dois anos após a sua morte, receberia a merecida condecoração - a comenda de Grande Oficial da Ordem do Infante D.- Henrique. Como disse a propósito o jornalista Nuno Pacheco, «Pouco importa, que a lata não pesa. Pesa, sim, o que ele deixou feito.» (...) «metam a medalha na gaveta e tirem-no de lá a ele. E leiam-lhe os livros, onde continua vivo.»5

Porém, apesar das homenagens e da comenda, ficou ainda uma importante dívida por pagar – em Faro, sua terra natal que nunca esqueceu, essa dívida foi já paga, por deliberação camarária de 5 de Fevereiro de 1991, foi criada a «Rua José Pedro Machado» (no núcleo urbano do Montenegro/Gambelas). E em Lisboa, sua cidade de adopção onde viveu a quase totalidade da sua vida, para quando a rua com o seu nome? Esperemos, pois, que em breve as últimas linhas deste texto possam ser apagadas pela existência de tão merecida placa toponímica na capital. José Pedro era um profundo conhecedor da toponímia ulissiponense, tendo dedicado ao tema diversos artigos. E, precisamente, sobre a justiça feita pelo município de Lisboa à memória de três grandes mestres da língua portuguesa – Leite de Vasconcelos, José Maria Rodrigues e David Lopes, diz José Pedro num texto de 1992: «O Município de Lisboa, felizmente, não se esqueceu deles. Os seus nomes denominam três ruas lisboetas, talvez não muito importantes (o acaso até quis que eu resida numa delas), decerto afastadas umas das outras (ao contrário da camaradagem e da amizade que os unia), mas lá estão os nomes dos Mestres, bem à vista e no uso do quotidiano de muitos lisboetas, que, assim, pelo menos, sabem da sua existência.»6 Não esqueçamos, lisboetas, portugueses, o nome de José Pedro Machado, homem que tanto trabalhou em prol do idioma que nos une, a mais de 200 milhões de falantes espalhados por oito nações e por numerosas colónias de emigrantes, no vasto universo cultural da lusofonia.

(Continua)

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