quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Maratona Poética - Jean-Paul Sartre dá passagem a António Sales, Miguel Torga e Natália Correia, acabam de chegar,
Jean-Paul Sartre
(Paris,1905 -1980)
OS POETAS
Os poetas são homens que se recusam a utilizar a linguagem. Dado que é com e pela linguagem, concebida como uma espéie de instrumento que se pratica a busca da verdade, não é preciso imaginar que eles procurem descobrir o que é verdadeiro ou expô-lo. (...) Se o poeta conta, explica ou demonstra, a poesia torna-se prosaica; o poeta perdeu a partida.
(O que é a Literatura)
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António Sales
(Torres Vedras, 1936)
LETRAS
De letras compõem-se as palavras,
letras de muitas línguas
muitos mundos.
Sementes rituais
de cores inebriantes,
também ervas daninhas,
amargas, soluçantes.
De letras grandes e pequenas
fabricam-se as palavras,
com pernas e sem pernas,
gordas, magras,
altas, baixas,
todas elas, porém,
prontas a marchar.
Umas redondas, meigas,
esculpidas de beleza
perdidas de paixão, arrebatadas.
Letras obesas
sebosas e servis,
castradas de carácter
pobres e imbecis.
Há letras de chorar
e letras de sonhar,
luminosas
alegres de encantar,
brilhantes como estrelas
de mãos dadas a bailar.
Ai letras
minhas queridas letras!
Semeiam palavras
orvalhadas de sol.
Miguel Torga
(São Martinho de Anta, Sabrosa, 1907 — Coimbra, 1995)
ARTE POÉTICA
Fecho os olhos e avanço.
E começa o poema.
Rodeiam-me os fantasmas
Fugidios
Dos versos que persigo.
A regra é caminhar
E chegar sem saber.
De tal modo é cruzada
A encruzilhada
Onde o milagre pode acontecer.
Mas sendo, como é, de cabra-cega
O jogo,
E é um destino jogá-lo,
É sempre incerto que o principio.
Tacteio no vazio
Da expressão,
Vou seguindo
Seguindo,
E ganho quando sinto a salvação
No próprio gosto de me ir iludindo.
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Natália Correia
(Fajã de Baixo, São Miguel, 1923 — Lisboa, 1993)
A DEFESA DO POETA
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem ?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho !
a poesia é para comer.
Num serão em casa de Amália Rodrigues, com a presença da anfitriã e de Vinicius de Moraes, David Mourão-Ferreira; José Carlos Ary dos Santos, Natália Correia decalmou "A defesa do poeta". Eis a gravação:
Às seis, chegam Manuel Simões, João Cabral de Melo Neto e Salvador Espriu.
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