domingo, 12 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo CV

Vigésima quarta etapa: em Brialhos

O albergue foi instalado num edifício que, visto de longe, faz lembrar uma escola primária poisada no campo. Somos os primeiros a chegar.

Bebemos chá, comemos o que resta de ontem, sondamos as possibilidades que a cozinha oferece. Há um tacho, dois pratos e até um pouco de azeite extra virgem que alguém abandonou. Não nos sentimos cansados, não deve haver restaurante – e se cozinhássemos?

Tomo duche. Lavo a roupa. Estendo-a no quintal. A chuva alterna com o sol – acabo por pendurar a camisola e as meias na grade do beliche. (Escolhi, mais uma vez, por prudência, um beliche superior.)

Chegam dois alemães. Ela vai deitar-se; ele volta a sair. Nós também saímos em busca da mercearia – se houver. Damos uma volta larga pelos arredores. Uma antiga fonte de pedra. (Tem uma data: 1898.) Voltamos a passar pelos espigueiros. Mais muros de lajes, mais vinha suspensa, mais casas de pedra... Não nos cansam.

Um habitante indica-nos onde fica a mercearia. Não se encontra aberta porém a dona, que anda por perto, vem atender-nos; contudo a escolha não é imensa: batatas fritas, salsichas em lata, bolachas em pacote, cereais de pequeno-almoço... Optamos por uma lata de sardinhas. E cebola, tomate, pimento... Podemos fazer, com o resto de azeite, um arroz de tomate; e comer as sardinhas temperadas com limão.

No regresso vemos uma senhora toda vestida de azul a trabalhar numa horta com as lajes, com a vinha, com – até – belas roseiras encostadas às vedações: as folhas verdes e as flores púrpura contrastando com a pedra. Que beleza... Indagamos o que anda a plantar; são pimentos. Ela inquire quantos somos – é a alberguista.

Quando entramos na cozinha, os alemães são agora três e encontram-se a fritar peixe; ele foi a Caldas de Reis, comprou três linguados. No tacho cozem, em grande ebulição, cenouras e ervilhas. Pergunto se a cozedura demora muito. Não, está a concluir-se. Ficamos à espera do tacho. E dos pratos: que se encontram reservados para o banquete.

Depois de maltratar os linguados, a alemã despeja o que resta de azeite na frigideira e, sem a lavar, queima fatias de pão, com o lume no máximo. O cheiro tornou-se atroz.

Começam a jantar. Oferecem-nos uma fatia de pão. Ignoro se é especialidade germânica – não, obrigada, prefiro ignorar também, até ao fim da vida, que sabor terá. Eles concentram-se numa demorada degustação.

Acabo por me impacientar.

- Já não precisam do tacho, pois não?

- Ah! Estava à espera?!

Não: estava aqui a admirar. Não há espectáculo mais fascinante do que ver três germanos a ingerir pedaços de pão gorduroso.

A cozinha – todo o albergue – tresanda a peixe esturrado. Tentando não reparar, para não enjoarmos, preparamos o arroz. Jantamos. Lavamos o tacho e os pratos.

Entram os alberguistas. Os alemães largam tudo em cima da mesa e vão inscrever-se; quando voltam, arrumam os pertences e desaparecem – não lavam a frigideira. Antes já eu lavei, para poder utilizá-los, o tacho e os pratos... Imaginam sem dúvida que os restantes seres mais ou menos vivos que povoam o albergue vieram de longe a pé para lhes lavar a loiça.

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