sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine

Capítulo CX

Vigésima quinta etapa: de Brialhos a Padrón (conclusão)

Descemos por um carreiro com bicas de água a correr pelos muros abaixo, árvores cobertas de musgo e de heras, manchas de cor intensa, verde, amarelo, cor-de-rosa... À saída do caminho somos interrogados por um polícia: de onde vimos, onde dormimos, quais as idades e nacionalidades. Chegamos a S. Miguel de Valga. (Enchemos as garrafas no chafariz; Victor ultrapassa-nos.)

A partir daqui o caminho segue por aldeias e pedaços de bosque, zonas mais ou menos urbanas, com alguns espigueiros – um em ruínas – a recordar outras épocas. O modo de produção e consumo alterou-se, porém as casas possuem quintais com figueiras, macieiras, limoeiros; e as hortas são frequentes. Embora a agricultura como modo de vida se tenha reduzido, perdura uma produção familiar de complemento.

Atravessamos Pontecesures por uma rua com bonitas casas, galerias envidraçadas, bonitos muros – e mais um espigueiro. Mais adiante vemos uma coluna com um Santiago esculpido. Depois outro espigueiro...

Ultrapassamos as três raparigas, que fazem o inventário das bolhas e se declaram incapazes de prosseguir. Eu também sofro mais do que nunca: tenho a mochila insensatamente pesada e, de qualquer maneira, mesmo com ela vazia, seria uma etapa esgotante por me encontrar esgotada: não durmo há duas noites.

Gérard Rousse liquida os últimos quilómetros com duas frases:

Têm o rio à vossa esquerda e, quando chegarem à igreja de Santiago de Padrón, atravessem-no. Deixem à direita a fonte do Carmo e, subindo a rua, hão-de encontrar-se perante o albergue dos peregrinos.

Por conseguinte buscamos a igreja sempre que há uma passarela ou, perante qualquer simulacro de igreja, procuramos com inquietude a ponte. Esta parte do trajecto parece prolongar-se para além de todas as probabilidades. O roteiro indica dois quilómetros entre Pontecesures e Padrón – não estaremos a passar ao lado de Padrón? Na direcção de Iria Flávia? Onde ficou Padrón?... (Sinto-me demasiado exausta para idas e voltas.) Perguntaria pelo albergue, se encontrasse alguém; não avistamos um único habitante.

Alcançamos enfim o mercado do peixe, depois um passeio público com grandes plátanos, espaços assinaláveis, que aqui se deviam encontrar quando o nosso mentor passou em 2006. O mercado, o parque, os plátanos, a estátua de Cela: indicadores evidentes e sem ambiguidade. Evitar-nos-iam a inquietude; e o ridículo de haver indagado a igreja de Santiago em cada barracão. Uma vez mais, em fim de etapa, zango-me com o meu guia espiritual (sem todavia chegar ao cúmulo de, como a severa e desconfiada Martine, insinuar que percorreu o caminho de carro).

Com o movimento, com o peso da mochila, enquanto caminhámos, tanto nas subidas como nas descidas, não apenas sentimos calor, mas até transpirámos; no entanto – não obstante um sol hoje constante – a temperatura manteve-se baixa: as peúgas, estendidas na mochila, não secaram. (Avistamos Victor. Sentado num banco, parece reflectir: procurará ou não o albergue?)

Nesta ponta do passeio público vemos a estátua de Camilo José Cela e na outra ponta uma homenagem a Rosalía de Castro. Os dois escritores de Padrón (ele aqui nascido, em Iria Flávia; ela aqui falecida). Somos bem acolhidos...

1 comentário:

  1. A escrita dá conta de um certo cansaço, mantendo o que venho chamando de "caminho de sentimentos" sempre visiveis na escrita.

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