domingo, 19 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra




Manuela Degerine

Capítulo CXII

Vigésima quinta etapa: em Padrón (continuação)

Na camarata não vemos Victor nem os venezianos mas, em contrapartida, reencontramos a família franco-germânica e a rapariga espanhola; esta sem o português. (Quando chegamos: uma senhora espanhola trata-lhe as bolhas dos pés.)

Preciso de carregar o telemóvel e, por não haver tomada junto do beliche, vou colocá-lo mais longe. Não sou do género que investe as economias em portentos da tecnologia; no entanto, com tanta gente em movimento, mesmo sem o objecto ser precioso, prefiro manter-me nas vizinhanças. Sérgio questiona se volto a sair. Respondo que não: vou escrevendo e vigiando o telemóvel. Ele sai. Eu de facto escrevo mas, apenas o indicador do telemóvel muda para o verde, arrumo todos os pertences e, não obstante haver luz do sol lá fora – deito-me.

A noite será outra vez, sem dúvida nenhuma, num espaço tão denso, tórrida e sonora; não dou por nada. Acordo com um alarme. E um vozeirão. Que não me despertam completamente. Depreendo – ao fim de quanto tempo? – que se fala de um telemóvel. Não presto atenção... mas vou acordando. O tumulto aumenta. Acabo por me sentar.

Mais adiante, Sérgio, que não compreende o espanhol, vê que acordei e, intrigado com o tom, alarmado com o som, antes todos murmuravam – inquire o que se passa. Explico que roubaram o telemóvel a uma mulher. Ou ela o perdeu. Ou algo assim.

- Era o que me parecia... Não te preocupes com o teu. Quando cheguei, estavas a dormir: arrecadei-o.

Levo vários segundos a decifrar a mensagem.

- O meu telemóvel guardei-o eu...

- Não era o teu?!

- Não... O meu está aqui.

Não acabei ainda de falar, o pobre Sérgio salta do beliche, entrega o objecto à sanhuda proprietária – e fica muito envergonhado. (Meio atordoada pelo sono, quando compreendo a situação: faço o esforço de não me rir.)

Na casa de banho, em frente do espelho, explico o quiproquó à senhora; a qual possui o mesmo modelo que eu. (Que mundo este...) É quem ontem tratou os pés da rapariga espanhola. Viaja com o marido e uma amiga; ou com um casal – não percebo a qual das duas corresponde o senhor. Já havia reparado nestes três peregrinos muito amáveis e bem-educados...

Dali a pouco oiço a mesma peregrina queixar-se dos ratos. (Valha Santiago a esta dama!) Guardou comida dentro da mochila: roeram-na até chegarem onde lhes interessava.

Regozijo-me por ter dormido num beliche superior... Por mais cuidado e higiene – aqui está tudo muito limpo – que haja, a própria densidade de ocupação, cada um trazendo as suas bagagens, dentro das quais há comida, basta para atrair os roedores. (Aprendi isto, há muitos anos, numa noite de terror em Badajoz.)

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