terça-feira, 21 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

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Manuela Degerine

Capítulo CXIV

Vigésima sexta etapa: de Padrón a Santiago de Compostela (continuação)

O sol brilhou durante a manhã e agora começa a haver calor. As peúgas, que viajam há dois dias penduradas na mochila, estão outra vez sujas mas finalmente secas. São – no último dia – as primeiras peças de roupa que, de Águeda para cá, secaram sem o complemento térmico dos meus 37°.

Talvez o leitor se interrogasse numerosas vezes sobre esta mania de lhe comunicar cada compra de pão e lavagem de camisola. Talvez, numa primeira impressão, isto possa sugerir futilidade natural ou desmazelo narrativo porém, tal como o praticante de ioga repete determinados sons ou frases com o objectivo de esvaziar o espírito de pensamentos e preocupações que o impeçam de alcançar uma concentração profunda, também aqui, no Caminho de Santiago, o pão, os pés, a roupa, o albergue e a mochila são as constantes que, associadas ao ritmo e ao esforço da caminhada, construem um estado de espírito – e importa que os meus leitores o compreendam. Numerosas agências tratam disto tudo no Camiño Francés porém, nestas circunstâncias, o Carreiro de Santiago – como foi designado noutras épocas – não passa de um vulgar passeio (ou apenas de ginástica; o que não me interessa).

Achamo-nos a menos de dez quilómetros de Santiago de Compostela, por conseguinte agora, se atravessamos um fragmento de mata, durante algumas centenas de metros, logo regressamos a zonas habitadas. Passamos junto ao parque empresarial da Grela. Vemos os primeiros prédios. Entramos noutra zona de eucaliptos...

De Padrón até aqui temos, uma ou outra vez, encontrado a N550; sempre em percursos curtos. Apesar de caminharmos nos arredores de uma cidade, este itinerário conduz-nos, durante quase todo o dia, de maneira muito hábil, pelo campo ou por estradas sossegadas – é o que falta em grande parte da rota portuguesa.

De Lisboa a Vilarinho, o Caminho de Santiago, mesmo quando sinalizado, o que não é constante, foi-o por quem não o percorreu a pé; ou então percorreu-o sem compreender que estes caminhantes (ao contrário dos de Fátima) gostam de caminhar. Por consequência: é indispensável encontrar-lhes verdadeiros percursos pedonais onde não fiquem surdos, não se intoxiquem e não corram, a cada segundo, o risco de morrer. Esta possibilidade existe na maior parte das etapas, importa procurar, marcar e depois explicar no site da Associação Portuguesa dos Amigos do Caminho de Santiago (por exemplo).

Alcançamos o Monte Agro dos Monteiros: avistamos Santiago de Compostela. Alguns peregrinos contam que, quando viram a catedral – choraram. Não me sinto emocionada. (Doem-me as costas. E antecipo, sim, naquelas duas torres, o fim de caminhada. Já?...) Começa a descida para Rocha Velha. Ainda atravessamos uma pequena mata de eucaliptos. Últimos pinheiros e carvalhos. Últimas giestas. Últimos tojos e silvas e fetos.

O caminho conduz-nos à beira de uma linha de comboio. Devemos seguir à direita para chegar à ponte e, após atravessarmos, virar na direcção oposta, isto é, à esquerda; por isso, quando agora chegamos perto da linha, avistamos do outro lado, a caminhar em sentido inverso ao nosso, os caminhantes que nos precederam. Qual não é o meu espanto?...

- Paul!

Ele procura quem chamou. E vê-me deste lado da linha.

- Manuela!

Vai com Gerhardt.

- Encontramo-nos daqui a bocado?... No albergue.

- Até logo.

Como caminhei duas vezes duas etapas e agora nos encontramos, Paul foi directo de S. João da Madeira a Vilarinho. (E, como Martine ficou um dia no Porto, ela chega decerto hoje a Padrón.) Poucos metros mais adiante, encontramos a rapariga espanhola; a qual agora se associa a uma romena com quem Sérgio visitou as caves do vinho do Porto. O Caminho de Santiago é uma aldeia em movimento.

Passamos por cima do rio Sar através da Ponte Velha de Arriba. Estamos a entrar em Santiago de Compostela... O hospital, a rua do Campo de Santa Marta, a avenida Rosalía da Castro, a praça do Obradoiro...

Começamos a procurar o albergue.

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