Manuela Degerine
Capítulo CXIX
Conclusão (das conclusões)
Esta longa caminhada permitiu-me igualmente avançar na descoberta de mim mesma. Confirmou o que já conhecia. A teimosia. A independência. A força que, não obstante as aparências, sei possuir. Deste ponto de vista não houve surpresas. No entanto, até chegar ao Porto, ignorava se podia caminhar tantos quilómetros; ultrapassado o incómodo das bolhas, a caminhada tornou-se agradável, restando o peso excessivo na mochila, uma dificuldade nunca superada.
A maior surpresa para quem, como eu, acreditava na sua lucidez e capacidade de observação – foram as variações na apreciação da realidade. Por exemplo: na percepção dos pesos e das distâncias. A mochila leve de manhã e plena de chumbo ao fim da tarde. Os quilómetros curtos de manhã e, em fim de etapa, intermináveis para além dos limites de credibilidade.
Esta longa marcha ajudou-me a repensar a minha vida e a hierarquizar as prioridades, não desencadeando uma mudança radical, certo, reforçando porém a evolução antes iniciada. Importa aproveitar cada instante desta vida, não através do ritmo ou da sucessão de fazeres mas, após selecção rigorosa, pelo afastamento do inútil.
Esta experiência não me confrontou apenas comigo, pôs-me igualmente em relação com outros: gente apavorada, gente desconfiada, na região de Lisboa, gente generosa, gente inventiva, gente laboriosa, gente curiosa, os bombeiros da minha terra, os caminhantes de Santiago...
Perdi o contacto com Marlene e o marido e, da mesma forma, com os venezianos. No Caminho de Santiago seguimos, no mesmo ritmo, duas, três ou mais etapas e, de súbito, pensando que assim continuaremos, podemos não voltar a ver-nos. Por outro lado, Maria não respondeu às minhas mensagens, os portugueses de Guimarães tão-pouco. Correspondi com Paul, primeiro por SMS, depois por correio electrónico, confrontámos as aventuras, trocámos mútuos convites; mas talvez não voltemos a encontrar-nos. Recebo com frequência notícias de Sérgio; se nos virmos, continuaremos, sem dúvida, bons camaradas.
Os encontros não revolucionaram a minha vida mas acrescentaram vozes, figuras, contactos, situações, conversas, pontos de vista à minha experiência com os outros: enriqueceram o meu património humano. E por isso não deixam de constituir um aspecto essencial deste Caminho. Os meus semelhantes, suas manias, virtudes, defeitos, egoísmos, generosidades e muito mais, coexistindo, não raro, no mesmo indivíduo, a ausência ou abundância de determinadas qualidades, enfim, toda a variedade e complexidade humana me inspira sempre curiosidade e, também por isso, me absorvi nestas vinte e seis etapas através de regiões e meios que não conhecia, contactando com gente que não fazia parte do meu ambiente social, constituído por escritores, pintores e professores, bastante homogéneo no fim de contas... O Caminho de Santiago acrescentou portanto mais alguns meandros ao labirinto dos meus encontros e desencontros.
A gentileza e generosidade que, ao longo da viagem, tive o privilégio de encontrar, servem-me agora de exemplo. Procuro elevar o meu comportamento à altura dos que em S. João de Ver, Balugães ou Ponte de Lima tiveram comigo.
domingo, 26 de setembro de 2010
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Têmpera. Chama-se têmpera, não desistir, sucessivas vitórias da vontade.
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