terça-feira, 14 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo CVII

Vigésima quinta etapa: de Brialhos a Padrón

O reboliço nas camaratas começa antes das seis horas. Como parte dos ciclistas se encontra na dos homens, separada da nossa por uma grande porta, ouvimos do outro lado traques e piadas obscenas ou escatológicas. Deve ser assim nas camaratas de quartel – que os menos refinados confundem com o albergue. As estudantes não compreendem as piadas mas os traques dispensam qualquer legenda; vejo-as trocar olhares consternados. A alemã por enquanto não troca nada; continua ainda dentro saco-cama. Eu despacho-me daqui para fora...

Encontro-me na casa de banho, em frente do espelho, com uma estudante francesa que, enquanto me penteio e lavo os dentes, põe rímel nas pestanas. Falamos dos respectivos percursos. Ela mostra-se muito surpreendida por duas vezes havermos percorrido duas etapas num dia.

- Não é o que vocês fizeram ontem?...

- É! Na nossa idade: não admira.

Diz isto sem a mínima perversidade. Com a sincera singeleza dos seus dezanove anos. Ainda bem que fui professora... Não ignoro que – para ela – além dos vinte e cinco é tudo velharia indiferenciada; e, é verdade, longe vai o tempo em que eu, depois de caminhar quarenta quilómetros e antes de caminhar mais vinte e seis, teria passado um quarto de hora a pôr rímel nas pestanas. (Noto porém, uma vez mais, que não me vejo onde os outros me vêem: uns chamam-me menina e os outros julgam-me incapaz de percorrer duas etapas num dia.)

Esta manhã não chove mas está frio. Saio do albergue com o blusão vestido. (Não é ainda hoje que o posso abandonar.) A esta hora as mochilas parecem quase leves, contudo eu dormi mal nas precedentes noites; sinto dificuldade em acelerar.

Uma hora depois já nos sentamos para descansar – e admirar uma praça com um calvário. De um lado, vemos Cristo na cruz e, do outro, uma mater dolorosa; um estilo românico com formas muito comoventes. Não falta aqui nada: um espigueiro, uma vedação de lajes verticais, abundante vinha suspensa, tanques e uma fonte com a data de 1752...

Passam por nós os ciclistas da CP e desejam-nos boa viagem. (Alguns eram rústicos, mas todos simpáticos.) Chegamos, daqui a pouco, a Caldas de Reis. Vemos a temperatura num quadro luminoso: 10 graus. Pois... Não admira que o blusão me pareça tão agradável!

Atravessamos o rio Bermanã pela ponte medieval.

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