terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Mistério da camioneta fantasma-1, de Hélder Costa

Na manhã do dia 19 de Outubro de 1921 deu-se mais um golpe militar contra um governo republicano. Demissão do Ministério e nem soou um tiro.

O golpe nascera na Armada e tinha a chefiá-lo um dos heróis do 31 de Janeiro, o Tenente – Coronel Manuel Maria Coelho. Tratava-se, portanto, de um golpe de esquerda contra o governo de António Granjo, prestigiado combatente transmontano nas forças republicanas que se opusera a Paiva Couceiro. Este governo imprimia medidas impopulares para tentar equilibrar a bancarrota e combater o desemprego e a miséria do após-guerra.

Entretanto, na parte da tarde e à noite, uma camioneta começou a percorrer a cidade raptando e assassinando figuras importantes da República: o primeiro ministro António Granjo, Machado Santos, o herói da Rotunda, Carlos da Maia, ex-governador de Macau e chefe da abordagem ao cruzador “D. Carlos”, o Almirante Botelho de Vasconcelos e Freitas da Silva.

Conduzida por marinheiros essa camioneta de morte provocou um enorme choque emocional na sociedade que se dispôs a castigar os autores desses assassinatos de lesa-Pátria e lesa-república.

Os autores foram presos e vários oficiais absolvidos, num processo que também se quis julgador da esquerda republicana.

Parecia que tudo estava resolvido, mas para várias pessoas o processo tinha várias zonas escuras.

E Berta Maia, a viuva de Carlos da Maia, dispôs-se a investigar quem poderiam ser os instigadores e autores morais desses crimes. Depois de vários encontros com o marinheiro que chefiava a carrinha, Abel Olímpio , o Dente de Ouro, este confessou que tudo tinha sido uma conspiração monárquica destinada a eliminar os autores do 5 de Outubro, e que a táctica seguida era a de “infiltrar e depois empalmar os movimentos revolucionários”.

O que foi feito com sucesso. Perante estes novos dados, que se passou? Nada.

Entretanto, dera-se o golpe do 28 de Maio precursor da Ditadura Salazarista e foi decretado silêncio absoluto sobre os acontecimentos da “Noite Sangrenta”.

Personagens principais

Berta Maia
Carlos da Maia
Abel Olímpio, o Dente de Ouro
Padre Lima
D. Afonso XIII
D. Fonseca, exilado português
Millan Astray
Gastão Melo Matos
Alfredo da Silva
Carlos Pereira
Augusto Gomes
Condessa de Tarouca
Condessa de Ficalho
Raul Leal
Fernandinha, poetisa
Mimoso Ruiz, director de “Imprensa da Manhã”
jornalista
Virgílio Pinhão
Barbosa Viana
Salazar
Senhora Maria

Camponeses
Marinheiros
Coristas

1º Acto


1. Berta Maia encontra o Dente de Ouro

2. Pesadelo – prisão de Carlos da Maia

3. Julgamento

4. Ódios e necessidades

5. Primeira reunião dos conspiradores

6. Padre Lima e Dente de Ouro com os marinheiros

7. Memórias de Carlos da Maia

8. O Dente de Ouro começa a falar

9. Pesadelo – Morte de Machado Santos

10. D. Afonso XIII com D. Fonseca, exilado português

11. A conspiração com Espanha

12. Carnaval no Teatro Nacional


“O Mistério da Camioneta Fantasma” estreou pelo grupo A BARRACA no teatro CINEARTE no dia 19 de Outubro de 2005.
A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República Portuguesa de 5 de Outubro de 1910 convidou A BARRACA a integrar esse espectáculo na programação dos vários eventos previstos para 2010 e 2011.

Esta reposição corresponde a esse convite com a seguinte

FICHA TECNICA E ARTISTICA

HÉLDER COSTA – texto, encenação, espaço cénico, luz, programa

PEDRO MASSANO – animação gráfica

MARIA DO CÉU GUERRA – figurinos

BRUNO COCHAT – coreografia

ALEXANDRE DELGADO – selecção musical de Luís Freitas Branco, Frederico de Freitas, Stravinsky

JOSÉ CARLOS PONTES – adereços e apoio técnico

FERNANDO BELO – luminotecnia

RICARDO SANTOS - sonoplastia


RITA FERNANDES ---- Berta Maia
CÉLIA ALTURAS - Condessa de Ficalho, Millan Astray, corista, marinheiro
VÂNIA NAIA - Condessa de Tarouca, corista, marinheiro, poetisa Fernandinha, jornalista, Sra Maria
LUIS THOMAR - Abel Olímpio, o Dente de Ouro
ADÉRITO LOPES - Carlos da Maia, marinheiro, D. Fonseca, Almada Negreiros
JOÃO D’AVILA – Rudolph, Alfredo da Silva, Barbosa Viana
PEDRO BORGES - Gastão Melo Matos, marinheiro, Salazar
RUBEN GARCIA – Raul Proença, Augusto Gomes, Raul Leal , D. Afonso XIII,
SERGIO MORAS - Padre Lima, António Ferro, Virgílio Pinhão
SERGIO MOURA AFONSO – Jaime Cortesão, Carlos Pereira, corneteiro, Mimoso Ruiz

Relações Pública e produção : Inês Costa ; Secretariado – Maria Navarro

Costureira : Inna Siryk ; Montagem : Mário Dias

1º ---Slide/Texto e Voz


No dia 19 de Outubro de 1921 abateu – se uma enorme tragédia sobre a vida portuguesa. Nessa noite um grupo de marinheiros assassinou figuras ímpares da Republica: António Granjo, o vencedor das invasões de Paiva Couceiro, Machado Santos, o herói da Rotunda e Carlos da Maia, comandante do navio D. Carlos .

Os assassinos foram presos e condenados, mas ficaram sempre impunes os autores morais desses crimes.

A quem interessava a morte dos heróis Republicanos ?

E assim se criou…..

2º Slide ---- O mistério da camioneta fantasma

Fim do som da camioneta

Cena 1

Berta Maia encontra o Dente de Ouro

Berta Maia - Estás a conhecer-me? Olha bem para mim. Não me deste tiros, mas fizeste de mim um cadáver! Nunca esquecerei esse dia, esse 19 de Outubro...

Abel Olímpio - A senhora é a única pessoa que me pode acusar.

Berta Maia - Bandido, roubaste-me a minha felicidade, fizeste órfão o fruto do nosso amor, mataste um homem honrado e sério. Porquê? Quem te mandou? Porque disseste mentiras? Os outros marinheiros estavam a desistir de levar o meu marido, e tu foste o mais duro, o mais cruel, foste tu que o levaste... Porquê? Quem te mandou? Diz, Dente de Ouro! Diz, maldito!

Abel Olímpio - Dê-me dois tiros, minha senhora.

Berta Maia - Mais que o castigo, o que eu quero é saber o porquê da morte do meu marido. Fala, Dente de Ouro! Fala! Alguém conseguiu os seus fins, dentro ou fora do movimento. Fala! Quem foi o cobarde que te deu essas ordens e que se esconde?

(abeira-se dele) – Quem te mandou?

Abel Olímpio - Ninguém.

Berta Maia - Mas tu tens conspirado, andaste com integralistas, estiveste preso por isso, andaste com o

Padre Lima... Porquê? Para quê?

Abel Olímpio - Eu sou republicano. Meti-me nessas conspirações para saber o que se passava e contar aos republicanos.


Berta Maia - Ai sim? Então conta tudo o que sabes. Aqui somos todos republicanos, não tens problema.

Abel Olímpio - Tratava-se de um movimento nacional comandado por um capitão de fragata.

Berta Maia - Até que enfim! Eu disse que tu falarias! Quem é esse capitão de fragata?

Abel Olímpio - Não sei, não digo, não me façam mais perguntas, não digo.

Berta Maia - Em que fragata é que está esse oficial?

Abel Olímpio – não sei, não sei.

Berta Maia - E outros que estiveram no movimento?

Abel Olímpio - Havia o Padre Lima.

Berta Maia - Esse já sabemos. O Padre já confessou que andava em conspirações contigo.

Abel Olímpio - Como vêem, eu falo verdade. Só falo do que sei. (sai)

Berta Maia - Tu escondes a verdade, marinheiro. Tu escondes a verdade, maldito! Mas eu hei-de descobrir tudo, eu hei-de limpar a honra do meu querido marido.
________________

(Continua)

2 comentários:

  1. Serviço Público, prestado pelo estrolabio!

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  2. Serviço público prestado pelo Estrolabio, que serve de palco, mas sobretudo pelo talento do autor, do Hélder Costa, ao qual agradecemos a cedência do seu excelente texto dramático ao nosso blogue.

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