sábado, 25 de setembro de 2010

O Mistério da camioneta fantasma, de Hélder Costa - 6

(Continuação)

Cena 6

Padre Lima e Dente de Ouro com os marinheiros

(No convés do barco ,Cenas de trabalho)

Abel Olímpio (canta)Por vestir fato de ganga e boné/Todos me olham com certo desdém/Mas o fato de ganga ainda é/O orgulho de quem o enverga bem

(outros acompanham) Se um dia Portugal estiver em perigo /Todo o fato de ganga sai p’ra rua/A Pátria em cada um tem um amigo/Que prefere morrer mas não recua

Marinheiro – A Pátria tem um amigo...Temos de agarrar a nossa vida. Arriscámos tudo no 5 de Outubro, e o que é que tem acontecido? Estamos nas mãos de monárquicos e de traidores. A miséria não nos larga, os filhos nem têm comida, nem roupa, nem sapatos...

Abel Olímpio – Sapatos? Estás muito fino... Querias os teus filhos com sapatos?

( Risadas)

Marinheiro – Passam a vida doentes... foi para isto que veio a República? Abaixo os traidores!

Abel Olímpio e outros – Abaixo!

Abel Olímpio - eu tenho aqui algum dinheiro para dar aos camaradas.

Marinheiro – Dinheiro? Onde é que foste buscar isso?

Abel Olímpio – Aos republicanos. Há muitos que têm dinheiro e são a favor do povo.

(Entra padre Lima)

Foi o senhor padre Lima que arranjou isto.

Marinheiro – Viva o Dente D’Ouro. E viva o senhor padre Lima!

Todos – Viva!

Padre Lima – Meus irmãos, as vossas palavras são justas e a vossa indignação tem razão de ser. Muitos têm dúvidas em relação à República. Eu estou entre esses. Mas, por enquanto, esperamos para ver se cumprem as promessas que fizeram ao infeliz povo português.

Se continuarem a enganar-nos, saberemos responder com a força da nossa razão ultrajada. Tende calma e paciência. Muitos são os bons portugueses que vos compreendem e que lutarão ao vosso lado por uma vida melhor.

Marinheiros (cantam) – Não entres na igreja ó cavador/É falsa a religião dessa canalha/Os santos são de pau não têm valor/Valor só se dá a quem trabalha

Padre Lima –ah, temos cantadores...então, ouçam esta...

(canta) Esfacelai a cruz/Num golpe audaz, profundo/Procura o progresso/No mais pequeno atalho/P’ra erguermos bem alto/Os dois heróis do mundo /Ferrer na instrução/Lenin no trabalho

Abel Olímpio – Viva o sr. Padre Lima!

Vozes – Viva! ( Circula garrafão de vinho)

Padre Lima – Bebei meus irmãosi. Cobrai forças para os trabalhos que se avizinham.

Abel Olímpio (chama o corneteiro da GNR) – Senhor Padre, este é que é o corneteiro da Guarda de que lhe falei.

Padre Lima – Vê-se que tem bom ar. Parece uma rocha, pronto para tudo. Bebe mais.

Corneteiro – Obrigado, senhor padre. A minha Teresa agradece aquele dinheiro que eu levei para casa.

Padre Lima - Foi uma ajuda de pessoas boas que se interessam por vocês. Mas isso não passa de uma esmola. Vocês têm de lutar para conquistarem tudo a que têm direito.

Corneteiro – Estou pronto para tudo. Gosto muito de ouvir o senhor Padre Lima, vê-se que fala verdade e que se interessa pela gente.

Padre Lima – Cumpro o meu dever de pastor das almas transviadas.

Corneteiro – Pode contar comigo e com muitos lá da Guarda Republicana.

Padre Lima – Deus te abençoe, meu filho!

Corneteiro (com o sabre levantado) – Abençoada arma que Deus me pôs na mão!

(Grupo sai cantando “Esfacelai a cruz…”,Padre Lima e Dente de Ouro riem-se pela facilidade com que manipularam os marinheiros)

(Continua)

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