(Continuação)
Cena 6
Memórias de Carlos da Maia
Ciclorama com bambus chineses
(Berta Maia recorda Carlos da Maia )
Berta - (estende a mão sem folha) o que é isto ?
Carlos – (com folha na mão) mostra. Ah, é uma carta do Sun–Yat-Sen...o 1º. Presidente da China...
Berta – que engraçado!
Carlos - na altura, não teve muita graça. Antes disso, ele esteve exilado em Macau, foi médico no hospital. Não o aceitavam em nenhum país. Como Macau tinha um estatuto de independência (quase), ficou por ali.
Berta – Que interessante. E essa carta, porquê?
Carlos – Essa carta é de 1916, quando eu era governador. Sun-Yat-Sen estava outra vez no exílio, e o governo de direita da China pediu a Portugal a extradição dos criminosos que tinham fugido para Macau. Claro que os tais criminosos que eles pediam eram os revolucionários, os companheiros de Sun-Yat-Sen. Os assassinos e ladrões podiam continuar em paz, no exílio dourado de Macau, organizando seitas, o jogo, o negócio do ópio.
Berta – e tu não entregaste nenhum republicano chinês.
(Separados, mimam beijos)
Carlos – como é que adivinhaste? Não foi fácil, houve uma grande luta diplomática, o Império Britânico a pressionar a Republica Portuguesa, mas ganhámos.
Berta - mas, a Inglaterra...
Carlos – nossa velha aliada, não é? Berta, Bertinha, menina bonita, tão ingénua...um Império, é um Império, é para mandar em tudo e todos. Não duram toda a vida, mas enquanto puderem...lembras-te da guerra do ópio? Os Chineses revoltaram-se porque , a dada altura, os Ingleses condenavam à morte os trabalhadores que se recusavam a tomar ópio...além de um grande negócio, a droga era para os acalmar...claro que os Ingleses não tomavam ópio... ( risos)
(Carlos da Maia deixa cair a folha e desaparece; Berta Maia mima abraço, “acorda” da evocação, levanta-se , vê a folha no chão e pega nela)
Berta Maia – Macau…
Criada – ( com cesto com comida, ovos, uma galinha) - Minha senhora, vieram entregar isto.
Berta Maia – Quem mandou isso?
Criada – Disseram que era da parte de um grande amigo do seu marido.
Berta Maia – Põe na cozinha. O Carlos, que tinha tantos amigos... agora, já nem dizem o nome.
Criada – Minha senhora, as pessoas andam com medo de falar, depois destes crimes, as pessoas são assim. Está aqui o jornal.
(Mostra jornal)
Berta Maia – (lê) Augusto Gomes, o empresário teatral, assassinou a actriz Maria Alves. Sabes quem é?
Criada – É o senhor do teatro, não é ?
Berta Maia – Sim, um empresário teatral que está ligado a todas as conspirações monárquicas, amigo do Alfredo da Silva da CUF, e ... uma testemunha da morte de Machado Santos...
(No Tribunal)
Augusto Gomes – Eu tinha ido a Pedrouços para uma missão de confiança, e fui ao Arsenal. Uns civis armados disseram-me que estavam à espera do senhor Cunha Leal para o assassinarem. Corri ao quarto do oficial de dia onde estavam António Granjo e Cunha Leal e convenci-o a ir ao hospital tratar do ferimento que já tinha no braço.
Depois do hospital fui a casa do Sr. Presidente da República e vi que só tinha dois polícias a protegê-lo. Dirigi-me ao Sr. Manuel Maria Coelho, chefe do golpe e pedi protecção para o Sr. Dr. António José de Almeida. Depois fui ao Rossio e meti-me num carro para ir para casa; passando no Intendente, um grupo armado disse que o carro seria preciso para levar um cadáver à morgue. Contra as minhas súplicas, mataram o Almirante Machado Santos. E consegui, a muito custo, que não fossem a casa dos senhores Barros Queiroz e Sotto Mayor, que também estavam condenados a morrer. Horrorizado com tanto sangue inocente que tinha visto correr, fugi para casa.
(Sai)
(Continua)
domingo, 26 de setembro de 2010
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