quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sem ponta de pudor

Adão Cruz


Quando hoje li no jornal que a igreja considera “indecente” o actual modelo económico, e que o capitalismo fez da mão-de-obra mera mercadoria, fiquei perplexo e pensei: eu já não devo andar neste mundo, eu já devo ter morrido e não dei por ela. Pois, se a igreja está enterrada até às orelhas no capitalismo! Quando D. Carlos Azevedo diz que há um cultura exacerbada do individualismo, defendendo que “só com modelos humanistas” se pode combater a crise e traçar caminhos de futuro, e sustentando que os princípios morais têm de estar inscritos no coração das pessoas, faz-me rir, amargamente, é certo. D. Carlos Azevedo ou é ingénuo, no que não acredito, ou pretende fazer copy de uma monumental hipocrisia e um dinossáurico embuste para fazer paste na cabeça do pobre ser humano que já anda à roda com a vertigem posicional do mundo em que vive. É preciso não ter o mínimo pudor e ter uma enorme coragem do avesso para ter estas esqueléticas conversas como se se tratasse de carnudas filosofias para alimentar a sede de justiça. Pobre homem, D. Carlos Azevedo! Olhe para dentro do mundo em que vive, olhe para dentro da sua igreja que neste momento detém, segundo Jorge Messias, grande investigador e conhecedor dos soturnos mundos da igreja, a maior acumulação de riquezas de sempre. É o maior banqueiro do Universo. Possui bancos, seguradoras, instituições de crédito, redes de turismo, “paraísos fiscais”, latifúndios, grandes valores imobiliários, minas, florestas, redes de hipermercados, hospitais, escolas, universidades, tudo quanto uma força capitalista ambiciosa possa imaginar. Está presente em todas as áreas políticas e sociais. A sua influência e a sua responsabilidade na voracidade do capitalismo selvagem não passam despercebidas aos olhos mais atentos. Eu não vou ver as vossas contas, (não tenho meios nem capacidade para tal), os vossos investimentos capitalistas, a vossa secular divinização do dinheiro, o vosso deus do ter e do poder a qualquer custo. Mas recorro a quem sabe, a quem dolorosamente investigou e investiga os vossos crimes económico-financeiros, (infelizmente, não os milhares de monstruosos crimes de pedofilia), aos tribunais italianos, aos magistrados italianos e não só, ao FBI, a Avro Manhattan, a Eric Frattini, a David Yallop, a Gianluigi Nuzzi, a Fernando Vallego, a Juan Eslava Galán, a Pepe Rodriguez e tantos outros, a quem devo muito da minha pouca lucidez. Nada tenho contra D. Carlos Azevedo nem contra o Sr. Eugénio Fonseca. Mas quando dizem que os portugueses são generosos mas “têm pouco o hábito de partilhar”, volto a ter vontade de rir, amargamente, é certo. É que os portugueses, muito lentamente estão a perder a cegueira. As palavras de um e de outro cheiram a falso, a oco, a uma estratégia política e económico-financeira que só o diabo deve conhecer. Não acredito que Deus alinhe nestas coisas.

13 comentários:

  1. Tambem ouvi. Fiquei momentaneamente perplexo, mas logo recuperei, afinal é um discurso que casa bem com a situação e com a miséria crescente.Está na hora de levantar a bandeira dos que não têm voz,mas D.Carlos Azevedo, só falou do capitalismo individualista, o que quer dizer que há outro capitalismo que não é individualista, o que a Igreja defende, presume-se. Não é grande coisa, a declaração, bem vista nem dá para grandes surpresas...

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  2. Evidente, Luis. Tudo muito bem estudado. Sabem-na toda!.

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  3. Eu não acredito que Deus alinhe porque há muito que não acredito que ele exista. Há coisas, Adão, em que quase já nem me apetece falar. O pior é que não se pode por causa da dimensão de hipocrisia que carregam, sob pena de deixarmos passar tudo. A Igreja católica até um Estado tem.

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  4. Augusta, se não fosse o intrincado fenómeno igreja-mundo e a influência, a meu ver alatamente nefasta, da igreja, em termos de obscurantismo, alienação, e manipulação mental das pessoas mais incultas e menos seguras, isto é, se o problema da igreja não fosse um problema social e de todos os cidadãos, eu marimbava-me para tudo isso. O que me faz reagir é o embuste, a fraude, a mentira, a hipocrisia

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  5. Disse o Adão: se o problema da igreja não fosse um problema social e de todos os cidadãos, eu marimbava-me para tudo isso...
    Estamos a falar de qualquer igreja, qualquer sistema instituído que manipula, orienta, os seus elementos. Certo? Não é só a católica, certo? Podemos extrapolar para a influencia de outras, como os comportamentos podem ser manietados... Certo? Claro que esta é a que conhecemos desde pequenos (catequese, missa, ruptura...)e compreendemos melhor, que nos bate mais à porta, sobre a qual temos que discurtir com a família, os vizinhos, etc. Mas a influência das outras também nos está a dar muito trabalho...

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  6. Dou-vos inteira razão aos dois.Aliás, quando acabei de escrever isso aí senti-me logo em contradição com o que tinha dito outro dia: é preciso reagir e fortemente.
    Foi o que eu disse outro dia: porque é que o nosso cérebro não se empenhou em fazer da Terra um paraíso ou o mais próximo dessa ideia em vez das pessoas se terem que acoitar nas religiões para se sentirem apoiadas? Será só por isso que lá estão? Não sou filósofa. Só sei ver o que se passa cá mais perto.

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  7. Adão, eu tive uma educação católica, com baptismos, comunhões, etc. Porque é que achas que eu saí? Quando digo que fico cansada de falar nos problemas da igreja católica é porque a conheço por dentro e ela não é mais do que, como direi, uma parte da sociedade em que vivemos. Isto tem que mudar tudo em conjunto. Não sou contra os cultos em si. Não concebo uma sociedade onde se proibam crenças religiosas ou de outra natureza. Acho é as religiões tem que ser, na minha óptica, manifestações de cultura dos povos e não de poder sobre eles, como são.

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  8. E esse problema que tu pões, e muito bem, da responsabilidade das religiões na incultura e no obscurantismo, revolta-me igualmente em relação à obrigação primeira dos Estados no combate a esses flagelo. De facto, as pessoas estão tão longe de ter os mesmos direitos! E não são só os económicos. Tanta gente que não tem o privilégio de poder usar o pensamento, a capacidade de raciocínio que todos os seres humanos deveriam ter! Penso nisto muitas vezes e sinto muita angústia. É como se fossem amputados duma parte de si próprios.

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  9. Se são capazes de dizer que os portugueses são generosos mas “têm pouco o hábito de partilhar” eu acrescento que eles (Igreja) têm o vício de pedir e... amealhar.
    Como católica praticante partilho com muitos outros a esperança duma igreja sem longos corredores obscuros....

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  10. a hierarquia religosa me chamou a hierarquia me afastou...passei pela fase "sento-me na Igreja, Ele olha para mim e eu olho para Ele". Agora estou na fase de entrar nas Igrejas e respirar aquele silêncio que não se encontra na grande cidade, recordo-me criança...

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  11. Eu tive uma educação religiosa e mesmo jesuítica (até aos 14 anos). Nunca perdoarei à igreja o mal que fez a uma criança da minha idade. Só aos 31 anos, após encarniçada luta comigo mesmo, consegui libertar-me completamente das sequelas, e foi o dia mais feliz da minha vida!
    Respeito "religiosamente" a crença de cada um, mas não tenho qualquer respeito pela religião. Assim como respeito, sinceramente, o ignorante, mas não tenho qualquer respeito pela ignorância. Assim como respeito fraternalmente o pobre, mas não tenho qualquer respeito pela pobreza.

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  12. faz parte da longamente treinada estratégia de sobrevivência da Igreja Católica. Já perceberam que é hora de abandonar o barco, a água já entra por todos os lados

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