quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Canção para Maria - Carlos Loures

Francisco Fanhais cantando Canção para Maria (Queria Um País de Sol Para te Dar) na FNAC do Fórum Almada.


Este poema faz parte do meu livro A Poesia Deve Ser Feita Por Todos (1970) Escrevi-o no presídio do Reduto Norte de Caxias no Inverno de 1968, dedicado a minha mulher. O Francisco Fanhais musicou-o e ainda hoje o canta com frequência. Pôs-lhe o título de Canção para Maria.

Há uma história interessante relacionada com este poema, para além do facto das circunstâncias em que foi escrito e da forma como, com muitos outros textos, saiu comigo quando fui posto em liberdade, após seis meses de cativeiro – dentro de sapatos, entre a palmilha e a sola: o Francisco Fanhais cantava o poema por muitos lados e antecedia-o sempre da mesma história – «o Carlos Loures uma tarde disse para a mulher: – Vou até ao café, venho já!» – e o Fanhais fazia uma pausa e rematava – «voltou passados seis anos!»

Isto tinha-se passado assim, eu de facto fui preso no café, mas foram seis longos meses e não seis anos. Quando, finalmente, já depois do 25 de Abril conheci pessoalmente o Fanhais, pedi-lhe para ele fazer a rectificação.

Aqui vai o tal poema:



Queria um país de Sol para te dar,
com amantes e crianças nos jardins,
pássaros livres a cantar nas árvores
e a luz em liberdade pelas ruas
- as coisas nos lugares onde as sonhámos
e não nos sítios onde estão,
com armas aperradas a guardá-las.
Um país onde sulcássemos as límpidas manhãs
com sorrisos claros vestindo as faces.
Um país sem muros, sem medo
nem carimbos nas cartas que escrevemos
e ouvidos nas palavras que dizemos,
em segredo.

Mas, meu amor, nascemos cedo,
chegámos ainda a tempo de viver
este tempo que vivemos
com lágrimas ocultas no sorriso,
a raiva escondida nas carícias
e uma secreta esperança aprisionada
nos nossos corações aprisionados.
Viemos ainda a tempo de sofrer
Este tempo que sofremos
dia a dia e que sulcamos,
com os beijos vigiados,
com os nossos segredos desvendados,
com este amor amputado e prisioneiro
com que amamos.

Meu amor, não desertemos
Do tempo e do país em que nascemos
(e viver outro tempo dentro deste
ou estar fora do país
dele não saindo,
também é desertar).
Já que foi este o tempo que nos coube,
já que foi este o país que nos deixaram,
temos de conquistar o Sol que os ilumine,
roubando-o ao silêncio e à mordaça
que nos sufoca a voz – Não desertamos
- o ódio, o medo, a morte
que fujam, que desertem
se o amor os insulta e ameaça.
- Nós ficamos!

Com ao companheiros
e o amor dos companheiros,
o amor será mais forte
do que o ódio, do que o medo, do que a morte.
A luz também se constrói com os nossos beijos,
com as palavras clandestinas que escrevemos,
aquelas que a opressão não vê nem ouve.
A luz também se constrói com os nossos filhos,
eles tingem de luz nova
as sombras que com ódio vêm pôr
entre as carícias, os beijos e as palavras.
Neles se erguerá a luz para amanhã
e a liberdade prisioneira nos nossos corações
inundará de Sol as ruas,
meu amor.

6 comentários:

  1. Lindo, lindo, lindo! E porque é que isto não tinha vindo já cá para fora? Agora quero ouvir o Fanhais. Cantado é muito bonito. Quem me dera que alguém me tivesse feito um poema de amor tão bonito :) A Helena nem sabe a sorte que teve.

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  2. A Helena merece. Muito sofreu com o Carlos, dentro.

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  3. Pois claro que sim, e um beijinho para a Helena que eu me esqueci de deixar aqui ontem.

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  4. Procurei no Youtube a canção. Não consegui encontrar...
    O poema é muito bonito

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  5. Que bonito poema. Agora não prendem mas exigem-nos mais e mais sacrifícios. É uma outra forma de prisão.

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