sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Noctívagos, insones & afins - O dinheiro fica todo na farmácia


Carlos Mesquita

Entrei na farmácia perto de casa, virei à direita, nesta vira-se à direita, e ainda a curvar sou abalroado de chofre por uma bata branca, caiu-me em cima vedando a passagem, a bata tinha dentro uma mulher a falar. Havia algo estranho, fiquei alerta; os neurónios a rebate trocaram chistes, e antes da intrusa acabar a primeira frase, já o meu cérebro calejado nestes enredos tinha processado que estava a ser alvo duma emboscada. A bata era de farmacêutico (não é por acaso) o comportamento da mulher não. Perguntou-me com voz suficiente para se ouvir ao redor: -o senhor tem problema nas articulações? Disse-lhe que não. Ela, exibindo-me uma caixa colorida continuou, agora com o paleio B. Olhe que está na idade em que…cortei-lhe a palavra, e para a convencer que não me vendia nada para as articulações, articulei-lhe pausadamente e com bom som; - não tenho queixas e se as tivesse ia ao meu médico, ele receitaria o que fosse indicado, já o teria feito se fosse preciso como preventivo, depois disso viria aqui à farmácia aviar a receita, comprar o que ele prescrevesse, percebeu. Pareceu aturdida com o argumento, olhou para os outros clientes para verificar se tinham ouvido o meu responso, e profissionalmente desistiu. Ainda me refilou – é a sua opinião! Segui para a fila de clientes a remoer no disparate de ir ao médico ser uma questão de opinião e a vendedeira de produtos para as articulações foi pôr-se de atalaia atrás da porta. A presa foi a primeira pessoa que entrou, senhora de idade. Foi na conversa, ainda protestou que quarenta e tal euros era muito caro para ela, mas aceitou comprar o produto. A vendedora da bata contrafeita que tinha levado a freguesa até ali, acompanhou-a a tiracolo até à caixa, satisfeita por ir facturar.

Provavelmente a idosa, que não tinha ar de acumular várias reformas ou ter filhos gestores públicos, em casa olhando para os trocos irá arrepender-se. Presumivelmente irá lamentar-se às raparigas da sua idade e maleitas similares que o dinheiro fica todo na farmácia. De certeza quando entrou na farmácia não contava fazer esta despesa suplementar.

A técnica (de vendas) agressiva, aproveitando situações de fragilidade como é a dos doentes, e em espaços que são de confiança entre eles e os profissionais da saúde, como são as farmácias, é de todo inaceitável.

Cristo não descerá à Terra para correr com estes vendilhões. As farmácias correm o risco de se transformarem em locais de libertinagem comercial, com bancas modelo praça e regateiras a condizer. Imagine-se a farmácia do futuro; corredor extenso com pontos de venda de ambos os lados, e detrás dos balcões os vários propagandistas a apregoar as vantagens dos seus produtos; lá chegaremos.

Pelo sim pelo não, para acautelar embaraços, vou passar a espreitar para dentro das farmácias antes de entrar. Supunham que uma promotora comercial me aborda, e diz, – o senhor aparenta ter mais de 55 anos, sabe que nessa idade deve ter cuidado com a próstata, dá-me licença que lhe faça um toque rectal?

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