sábado, 23 de outubro de 2010

Noctívagos, insones & afins - " Peste", de Albert Camus

João Machado

Acabei de ler A Peste, hoje, dia 9 de Agosto de 2010.
Permito-me dizer que se trata de um livro impressionante, sem qualquer exagero. Aborda um tema gravíssimo, que trata com bastante profundidade a luta de um grupo de homens contra uma doença lendária, a peste bubónica, que devastou grandes zonas do mundo, durante muitos séculos, e que ressurge nos tempos modernos, e os seus dramas individuais neste cenário tão difícil. Penso que Camus quis servir-se desse cenário e das suas implicações, como por exemplo o de ser necessário pôr de quarentena uma cidade atacada por uma epidemia, ou enfrentar a presença constante da morte, para extrapolar sentimentos, maneiras de pensar e actuar individuais e colectivas para outro tipo de situações. Dou como exemplo o capítulo, já perto do fim da IV parte, em que Tarrou narra a Rieux a sua luta contra a pena de morte, e lhe conta ter-se sentido ao longo dessa luta tal e qual como um pestífero, devido às opiniões que defendia, e à prática que desenvolvia em sequência.


Albert Camus nasceu em 1913, na Argélia, e morreu em França, em 1960, num acidente de automóvel. De origem humilde, conseguiu estudar devido à sua grande capacidade e ao apoio de vários professores. A Peste foi publicada em 1947. O enredo descreve o impacto da peste bubónica na população de uma cidade argelina. Ao escrever o livro com certeza que Camus recorreu à sua experiência pessoal, de sofrer de tuberculose, doença que o perseguiu toda a vida, e que ainda hoje acarreta um forte estigma social. E, apesar de na altura ainda se encontrar apenas com trinta e poucos anos, conseguiu elaborar um romance de grande densidade psicológica, sobre um tema tão difícil. Dizem analistas que Camus procurou ao longo da sua curta existência, na sua obra tão variada, que incluiu o romance, o teatro e o ensaio, transmitir-nos a tensão que decorre do conflito entre a noção do absurdo da existência humana, num universo sem sentido, e a necessidade da rebeldia contra esse absurdo. Tinha sem dúvida valores humanos elevados. Em 1957 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel, nomeadamente pelos seus escritos contra a pena de morte, sobretudo o ensaio Reflexões sobre a Guilhotina. Camus tomou regularmente posições significativas no campo político, como durante a resistência à ocupação nazi, na adesão e no abandono do partido comunista, nas polémicas com Sartre. Sobre a guerra na Argélia, quando foi censurado por não tomar posições claras, recordou a sua mãe naquela colónia francesa, e o custo que daí podia advir. Julgo que não contestava as responsabilidades sociais, mas que procurava salvaguardar a importância dos dramas individuais nos conflitos que nos envolvem. A análise que faz das tentativas de evadir a quarentena imposta à cidade assolada pela peste dá-nos claramente essa ideia.

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