sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Mistério da camioneta fantasma, de Hélder Costa -12

(Continuação)

2o. Acto




A confissão

(Berta Maia - chapéu e véu, agente Barbosa Viana).

Barbosa Viana – D. Berta Maia, o Abel Olímpio está muito perturbado e não mostrou nenhum interesse em voltar a vê-la.

Berta Maia – sr. Barbosa Viana, eu não desisto. Quero vê-lo. Por favor, tragam-mo.

( Barbosa Viana traz Abel Olímpio, muito pálido, com ar de tuberculoso).

Berta Maia – Ai, Abel, como tu estás! Morres e eu fico sem saber nada! O que é que te fizeram?

Berta Maia –Abel, o que ganhas tu com essa situação? O que ganhas tu em esconder os que te atiraram para esta cadeia e que te estão a matar aos poucos? Tu estás doente, Abel, tu estás muito doente. Se calhar andam a envenenar-te aos poucos, com a comida.

Abel Olímpio – Eu já pensei nisso, minha senhora. Sinto-me mal, não tenho apetite, definho a olhos vistos.

Berta Maia – Sim, pareces tuberculoso com essa palidez e essas olheiras. Andam a matar-te, Abel. Tens que te tratar. Eu mando-te um médico. Não morras sem me dizeres a verdade. Não morras com esses remorsos na consciência. Acredita na palavra de Cristo. Ele é piedoso e desculpará os teus crimes na eternidade. Mas tens de ser sincero e corajoso. Diz-me quem te mandou matar o meu marido.

Abel Olímpio – Ninguém mandou. Desconfie a senhora daqueles que mais choram o seu marido.

Berta Maia – Acusa esse meu melhor amigo, acusa! Diz quem é!

Barbosa Viana – D. Berta, calma! Abel Olímpio, os crimes foram praticados e não há solução. Ninguém pode fazer tornar à vida Carlos da Maia, António Granjo, Machado Santos e os outros. Mas pode-se fazer luz sobre todo esse caso que tem perturbado a nossa sociedade. Ninguém acredita que tu tivesses agido sozinho, por tua conta e risco. Essa camioneta fantasma apontou muito alto, foi aos grandes vultos da República. Nunca, em nenhum país, se passou um caso tão cruel e misterioso. Para bem de todos, o assunto deve ser esclarecido. E tu és a pessoa que podes ajudar a que se faça luz sobre este mistério. Falando, limpas o teu nome. Coragem, Abel Olímpio.

Abel Olímpio ( titubeante, com pausas) – Não fiz nada, não sei nada, andei com a camioneta tenente Mergulhão Granjo o país na ruína, jornal a “ Época”, Padre Lima eu sou contra traidores criminosos da República, Época crime morte D. Carlos marinheiros na marinha a luta miséria minha mãe Padre Lima monsanto...

Berta Maia – “ Época”, o que é isso do jornal a “Época”?

Abel Olímpio – Não foi nada de importante.

Berta Maia – Justamente porque não é nada de importante, diz.

Abel Olímpio – Houve uma revolução, vaca e Alguidar, plano em Monsanto, juntávamo-nos, acreditava-mos que íamos ganhar Monsanto, D. Carlos, vacas e porcos, sementeiras de milho, Época, quero ir para o mar, senhor padre, castigo divino, tiros...

Barbosa Viana – Porquê toda essa história que não tem fim e que não nos interessa nada? O que é que ias fazer ao jornal? O que ias fazer à Época?

Abel Olímpio – O Padre Lima levava-me lá para me darem dinheiro. Tínhamos reuniões na Avenida ali por alturas da Rua das Pretas, e no escritório do sr. Moutinho de Carvalho...

Barbosa Viana – Vamos, homem, coragem! Vai até ao fim! Não foste o maior criminoso, fala!

Abel Olímpio – Minha senhora, a República não avança porque os monárquicos se introduzem nela e não deixam. Quem me deu a camioneta foi o tenente Mergulhão. É monárquico ou republicano? Isso não sei, mas isto é verdade.

Berta Maia – E porque é que foste matar esta gente?

Abel Olímpio – Porque faziam parte de uma lista que o Padre Lima me deu.

Berta Maia – Uma lista? Onde está essa lista?

Abel Olímpio – Essa lista ficou em poder do adjunto da polícia de segurança do Estado senhor Virgílio Pinhão...

Barbosa Viana – Está na polícia?

Abel Olímpio – Foi ele quem ficou com ela. Eu quero dizer uma coisa à senhora.

Eu decidi falar porque o Augusto Gomes está preso por ter assassinado a actriz Maria Alves. Ele jurou que me matava se eu falasse. E eu sei que é verdade, porque já matou o José de Pinho que tinha sido marinheiro como ele, mulheres com quem viveu... é um criminoso sem remorsos, e eu tenho medo.

Barbosa Viana – então, o Augusto Gomes era um dos chefes do golpe...( risos)... afinal, entre os empresários teatrais há grandes artistas...

Berta Maia – Com ele preso, já não tens de ter medo.

Abel Olímpio – Tenho medo, tenho. Ele tem sicários capazes de tudo. Minha senhora, proteja-me, façam a revisão do meu processo. Ajude-me!

(Barbosa Viana leva – o)

Berta Maia – Mataste o meu marido, mas eu vou ajudar-te. Vão saber quem ordenou estes crimes.

(Continuação)

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