segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Palhaços e «palhaços»

Carlos Loures

Há cerca de dois anos, o jornalista Daniel Oliveira, do Expresso, foi condenado a pagar uma indemnização a Alberto João Jardim por difamação. Em 10 de Junho de 2005, o colunista designara num artigo daquele semanário o presidente do Governo Regional da Madeira por «palhaço rico». Dizia em determinado passo do texto: «Alberto João Jardim é um palhaço. Envergonha, de cada vez que abre a boca, a nossa democracia. Não é politicamente incorrecto. É apenas um palhaço que manda numa ilha com mais de duzentas mil pessoas.» (…) «É um palhaço perigoso».

Porto Santo foi durante 15 anos o meu local de férias. Nos últimos anos deixei de ir porque ao «desenvolver-se», a ilha perdeu o encanto que tinha para mim. Embora compreenda que o desenvolvimento é bom para os portosantenses. Fiz também, ao longo destes últimos tempos, diversas viagens à Madeira. Tenho, por isso, podido apreciar a evolução do arquipélago. Neste aspecto, não concordo com Daniel Oliveira – a Madeira não tem estradas a mais, equipamentos a mais, empregos a mais – e, apesar da excessiva proliferação de estruturas voltadas para o turismo - é agradável verificar que no Porto Santo não há desemprego, não se vê mendicidade e as chagas da droga e da prostituição, pelo menos, não são visíveis. A Madeira não tem nada a mais, como diria o poeta cubano Nicolás Guillén – tiene lo que tenía que tener. Jardim apresenta obra feita, coisa de que nem todos os autarcas se podem gabar. A corrupção, o tráfico de influências, o nepotismo, existirão, mas não de forma tão gritante como em alguns concelhos do continente – embora neste capítulo haja a considerar que Jardim tem a comunicação social local domesticada.

O que se contesta não é o que Jardim fez, mas a maneira como fez e continua a fazer - o estilo arruaceiro com que ataca adversários, com que insulta os continentais que, afinal, contribuem com os seus impostos para que os Madeirenses tenham benefícios de que os insultados, em muitos, casos não usufruem; a permanente chantagem com a ameaça da independência. Mas, apesar desde espectáculo degradante, não é um palhaço – é apenas um mau português que, talvez, se encontrasse outro Estado que lhe pagasse as despesas, abdicaria da nacionalidade.

Não encontra e prossegue com diatribes e ameaças que produzem efeito, pois a nossa classe política é como é. Um exemplo: é estranho que quando Jaime Gama, em 1992, lhe chamou «Bokassa Branco», comparando-o ao tirano da República Central Africana, Jean-Bédel Bokassa, Jardim não o tenha processado. É verdade que, passados dezasseis anos, o agora presidente da Assembleia da República, mudou de opinião e se referiu ao presidente da Região Autónoma e à sua obra nos termos mais encomiásticos. Isto sem que Jardim tenha modificado a sua maneira de estar na política, moderado a prepotência e a verborreia ordinária. Moderou-a mais recentemente, depois do vendaval que assolou a ilha e o obrigou a pedir ajuda aos cubanos.

A verdade é que o tão falado «défice democrático» não começa nem acaba na Madeira. De Eanes a Cavaco Silva, passando por Guterres e por Sampaio – gente que «oportunamente» o senhor Jardim insultou, a pretexto das boas relações «institucionais» entre órgãos de soberania, sempre que foram e vão ao arquipélago, não deixam de o ir cumprimentar. Esta classe política merece o senhor Jardim. O povo português, particularmente o madeirense, é que não.

Quem é então este homem que provoca uma agitação que não é explicada senão pela incontinência verbal, por um sinuoso oportunismo e pela pacovice dos media que servem de caixa de ressonância aos seus dislates. Dispenso-me de lhe referir a biografia. Dela, o único aspecto assinalável é o de que, quando se deu o 25 de Abril, Jardim tinha 31 anos, não sendo, portanto uma criança. Mas nunca ninguém ouvira falar dele. O gosto pela democracia, só lhe veio quando ela deixou de fazer doer, quando qualquer idiota ou qualquer ébrio passaram a poder dizer, impunemente, tudo o que lhes passar pelas cabeças.



A coragem que tem manifestado a desafiar os poderes da República, teria sido bonito que a tivesse posto ao serviço da luta pelas liberdades democráticas antes de 1974 – mas isso «era perigoso»! Esteve na Câmara Corporativa, parece que andou pelas instâncias dirigentes da Mocidade Portuguesa; nunca militou em qualquer movimento democrático, por mais conservador que fosse. A «córagem» (como ele diz) só lhe chegou quando a liberdade, conquistada por «cubanos», «bastardos» e «f.d.p.», lho permitiu. Porém, Jardim não tem importância específica. Tem a importância que amigos e adversários, lhe conferem. Assumiu a espessura e a dimensão de um mito. Põem-no com insistência a opinar sobre os mais diversos temas - estava na Madeira quando, em Agosto de 1991, se deu o golpe de Estado contra Gorbatchov que desencadeou o desmantelamento da União Soviética: logo apareceu a criatura a debitar sobre a transcendência do acontecimento, com o ar ridículo que compõe sempre que quer parecer um político convencional.

Porque é que, na minha opinião, o senhor Jardim não é um palhaço? Vou tentar explicar o que é, quanto a mim, um palhaço. O britânico Charlie Chaplin (1889-1977) foi talvez o mais colossal dos palhaços. Homem de grande cultura e inteligência, um dos maiores génios criativos do século XX – clown e actor por antonomásia, excepcional realizador, talentoso compositor musical; Oleg Popov (1930), o palhaço russo que foi considerado o «maior do mundo»; Charles Rivel (1896-1983), o inesquecível clown catalão – quem, tendo-o visto, poderá esquecer o seu épico conflito com uma simples cadeira; os Anhucas e Augustos portugueses, que deliciaram gerações de crianças e não só, no Coliseu dos Recreios, no Coliseu do Porto e por outros chapitôs do País…

Estes, e muitos outros, são para mim os palhaços. Adoro os palhaços, pois só um artista com um grande coração e com uma grande sensibilidade escolhe uma tão difícil carreira. Como pôde Daniel Oliveira comparar gente tão excelente a uma criatura que só não envergonha a classe política, porque vergonha é coisa que tal classe não tem (salvo honrosas excepções)? Bem sei que o jornalista especificou que falava de um «palhaço rico» e os grandes palhaços são quase sempre palhaços pobres. Mesmo assim, acho que os palhaços, os pobres e os ricos, deviam ter processado Daniel Oliveira por terem sido comparados a Jardim ou, pelo menos, como são gente bondosa, deviam ter exigido um pedido de desculpa.

13 comentários:

  1. O Alberto joão é esperto, com a pior conotação que esterto tem. As empresas dos amigos vivem exclusivamente do orçamento e não acabou com a pior miséria conhecida - a das crianças que são abusadas por turistas loiros e altos. Mas , como ele diz, há empresas públicas no continente (caso da RTP) que com 5 000 funcionários recebe mais do Estado que as 200 000 habitantes da Madeira, Quando não há ética...

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  2. Não é palhaço é pantomineiro. Um dia, já distante, numa entrevista na RTP cilindrou a Judite, quando esta muito lampeira lhe veio com a história de que gastava muito e mal. O bom do Alberto João, já esperava, levava as contas feitas e, demonstrou por a+b que os trabalhadores da RTP custavam mais ao estado per capita do que os habitantes da ilha...

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  3. Ó Carlos, tu desculpa, mas eu é que não mereço que uma pessoa tão culta e inteligente como tu me inpinja um texto sobre esta personagem asquerosa que só me dá vómitos.Nem até meio consegui ler. Talvez seja da idade, mas cada vez aprecio mais a delicadeza de trato e a sensibilidade com que as pessoas se relacionam.Quero lá saber do Jardim se já nem do Sócrates consigo ouvir falar. Não te zangues, mas fala-me antes de Toledo :)

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  4. nos meios mais pequenos tem que se manter a aparência de laranja e católico caso contrário estão feitos ao bife e ... não é de espadarte. Assim se vive na pérola do atlântico

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  5. Gostei. Jardim é um personagem complexo, compreender o fenómeno não tira a sanidade a ninguém.
    Anhuca viveu em Belas, junto ao jardim.
    Anhuca era um Augusto, os Augustos e as Augustas não são Anhucas.

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  6. Vamos ver se consigo responder a todos. Luís, claro que o homem é esperto e compreendeu o funcionamento da nossa «democracia» e a maneira de a transformar numa vaca de que vai sempre tirando leite. E não digo que é um palhaço (respeito muito os palhaços). Augusta Clara, se não falarmos nas coisas elas não deixam de existir - um país onde a Margarida Pinto Rebelo é considerada uma escritora, o Quim Barreiros um cantor e o Jardim um político (até faz parte do conselho de Estado), é um país doente. Não podemos falar só da Cultura, temos também de falar da subcultura. Um dia falarei de Toledo (que, em todo o caso, não me parece que tenha constituído um expoente da cultura islâmica na Península - como Granada ou Córdova, por exemplo. Maria, tenho a ideia de que a oposição madeirense é, no seu conjunto, incompetente. O Alberto João Jardim parece-me mais sagaz do que todos eles. Mesquita - Augustos, eram os palhaços de segundo plano que apareciam em grupo estabelecendo uma grande confusão, enquanto se mudavam ou montavam aparelhos. Eram os meus preferidos. O Anhuca era uma estrela, um grande e genial palhaço pobre. No circo, os palhaços são sempre o que vejo com maior agrado. Em Moscovo, lá fui ver um espantoso espectáculo. É uma maravilha.

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  7. Ó Carlos,relativamente ao Jardim eu sei isso. Mas o que é que tu queres? É superior às minhas forças! Quanto a Toledo, a minha sede de mais conhecimento não tem a ver exclusivamente com a cultura árabe.É por saber como conviveram as três culturas: árabe, judaica e cristã naquilo que foi considerada uma escola de tradução sucessiva do grego para o árabe e do árabe para o latim de modo a trazerem-nos a cultura grega clássica e não sei se a persa. A escola de Toledo creio que foi um processo único de que eu gostava de saber mais. Se faz favor, caro amigo.

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  8. Como o Loures o trouxe à baila, não resisto a perguntar:
    Quem se lembra do LP de lançamento do Quim Barreiros, em 1975?
    "O Malhão Não é Reaccionário" é a resposta correcta.
    No seu 1º LP o camarada Quim, na capa de bigode e boné campesinos, além da canção que deu nome ao álbum tinha outros mimmos como "Batalha da Produção", "Aviso-te Soldado E Marinheiro", "O Meu Voto" e "Siga A Rusga".
    A Revolução também teve o seu lado pimba.

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  9. E o Quim não desarma, ainda anda por aí com o "dá-me o teu bacalhau"

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  10. Vá, tragam todos duma vez para ver se não ouvimos aqui falar mais neles.

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  11. Meus caros, Carlos e Pedro. Não sou especialista em palhaços mas sempre ouvi dizer que augustos eram os palhaços pobres. Nas cenas sem a parelha rico e pobre, quando actuam só "palhaços pobres" designavam-se na minha meninice, augustos. A discussão do orçamento entre o PS e o PSD é uma palhaçada de que tipo? Augustos entertainers,palhaços ricos, ou o quê?
    Quim Barreiros não é músico pimba; nasceu nas Feiras Novas de Ponte de Lima e lá continua todos os anos após o sucesso popular mediático, faz parte do folclore.
    Os "pimba" com êxito inicial na emigração são outra coisa, fazem parte do estilo simplórios rústicos e também professores de música, Produzem essencialmente canções de corno.
    Quim Barreiros participou no disco fogoso de José Afonso, "Com As Minhas Tamanquinhas".

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  12. Olha, não sabia que o homem tem pergaminhos.

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  13. Com as minhas tamanquinhas: Muito bom.

    Mas não é por ter sido acordeonista para o Zeca, e poder até ser um virtuoso do acordeão, que deixo de o considerar pimba, pelas canções que faz e canta. Mesmo as logo após o 25A.

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