segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Deus como problema (4)




Adão Cruz

Saramago não contou, mas pela mais comum das evidências científicas reconhece que no “Universo há mais de 400 mil milhões de galáxias e que cada uma delas contém mais de 400 mil milhões de estrelas”. O Universo está, com efeito, infinitamente pejado de misteriosas estruturações materiais das quais conhecemos um minúsculo infinitésimo. São provavelmente aos biliões, por exemplo, as estruturas materiais irradiantes cuja essência e complexidade ultrapassam todos os limites da imaginação humana.

Ao descobrirmos os raios X, os raios Gama, os raios Laser, tão reais como os meus dedos, não desvendamos mais do que uma ínfima molécula deste Universo espalhado por milhões de anos-luz. As estrelas são, provavelmente, aos triliões, e cada uma delas constitui, certamente, o centro de um sistema solar imensamente maior do que o nosso, o qual, sendo dos mais pequenos, faz da terra uma pedrinha nas mãos duma criança. A terra é muito menos do que um pequeníssimo grão de poeira no seio do Universo, e o Homem, essa infinitesimal partícula considera-se, numa ridícula e paranóica postura, o ser mais perfeito, a obra-prima, a criação por excelência, como se tal fosse racionalmente compreensível e aceitável.


“Postos aqui sem saber porquê nem para quê”, diz Saramago, “tivemos de inventar tudo. Também inventámos Deus, mas esse não saiu das nossas cabeças, permaneceu lá dentro, como factor de vida algumas vezes, como instrumento de morte quase sempre. A esse Deus não podemos arrancá-lo dentro das nossas cabeças, não o podem fazer nem mesmo os próprios ateus, mas ao menos discutamo-lo”. É isso que sempre tenho procurado fazer, e faço-o neste momento, dizendo a Saramago que Ele entrou na minha cabeça à força da destruição da razão e do entendimento, perpetrada por mentes ignorantes e retrógradas que assaltaram a minha infância e adolescência, mas nesta altura, à custa de muita luta e sofrimento, já não existe dentro da minha cabeça.

Negando os limites da sua própria natureza e da sua imaginação, o Homem assume-se como centro do Universo e inventa um Deus, seu Pai, cuja ontológica preocupação máxima, permanente e eterna, é a salvação da alma deste ridículo micróbio, desprezando todos os outros seres cuja diferença está, apenas, num número inferior de neurónios! Admitindo absurdamente a pré-existência de tal Deus, a sua revelação exclusiva ao animal-homem, repito, apenas porque os neurónios deste são mais numerosos do que os do cão ou do macaco, faz rir.

Consideram os cientistas, após as últimas fotografias das sondas que foram até Marte, que este planeta deve ter contido muita água e provavelmente vida, há milhares de milhões de anos. Se assim for…que vida? Animais com mais ou menos neurónios do que o Homem? Sem neurónios mas com outro substrato da razão que não imaginamos? Outros seres, estruturas materiais desconhecidas, mas, eventualmente, muito mais complexas do que o Homem? Sendo Deus sempre o mesmo – Deus é Uno e Universal – onde estará a alma dos marcianos? No céu? No inferno? Não a tinham? Coube-lhes a pouca sorte de lá não terem chegado os missionários e todos os bons pregadores da fé e do império a tempo de os salvar?

Quando a terra ficar assim deserta como Marte – do que não duvido, a avaliar pelo grau de destruição presente nos nossos dias – e ao fim de milhões de anos chegarem aqui os habitantes de outra galáxia, adivinharão a existência de um punhado de almas bem-aventuradas chilreando eternamente na imensidão do paraíso, e de outro punhado gemendo nas profundezas do inferno? Nascido, revelado ou realizado em tão microscópico cérebro, tal Deus universalmente omnipotente, omnividente e omnisciente nunca poderia existir, pois ao primeiro sopro de vida geraria, de imediato, a sua auto-destruição, através de uma incompatível e absurda auto-subestimação divina decorrente de tão inglória e mesquinha concepção.

(Continua).

4 comentários:

  1. Estou a ler atentamente estes teus textos. Obrigada.

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  2. Adão, também não exageres: não é garantido que lá pelo meio desse desmesurado e maravilhoso Universo não haja outros estúpidos semelhantes a nós, que acreditam em qualquer outro poder tão alienante como os vários deuses dos terrestres. Para mim, o Universo tem todas as possibilidades e mais uma. Até essa.

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  3. bem... o Vaticano já lhes chama "os nossos irmãos extraterrestres" portanto... até já imagino uma pastoral do Universo e visitas em... papafogetão

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