domingo, 7 de novembro de 2010

Fotopoemas II - Há quem olhe o mar, de passagem.


Texto de Paulo Rato e
Fotografia de José Magalhães


Há quem olhe o mar, de passagem.


Olha. Vê?

A onda rebenta, uma entre o – quase – infinito número das que sucessivas incansáveis chegam.

Como estas, outonais, força suspensa em brandura alva.

Quase crianças as outras com que no Verão brincamos ainda quando o crepúsculo se avizinha, cálido.

Nunca a placidez deste passo quando a tempestade as agiganta e a dúvida se insinua. Onde chegará tal fúria, tal altura?

Mas há quem ofereça a face às ondas e franco lhe há-de ser o olhar.

Tenso o corpo, entre desejo e espera.

A roda que nos encara em toda a sua raiada circunferência constrói a indefinição – da pausa ou do impulso.

A roda está ali e fala-nos de um limite - físico, branco, turbulento. Nada nos diz de outros limites.

Ela, a que ao horizonte oferece a face, sim.

Está ali o Mar. De crepúsculo e Outono?

Seja.

E as duas raparigas que passeiam e passam, plácidas.

E a que pára, olha e vê, interroga, sonha.

Vê a beleza de cada onda, irrepetível. A luz do poente, irrepetível. O reflexo em cor dessa luz - na areia, no cabelo, na roupa – irrepetível.

Interroga a fugacidade do momento, o ritmo das ondas, a humidade da praia, as pegadas na areia – a presença e a razão das coisas.

Sonha a partida ou a passagem – o Além do Aqui.



Há quem olhe e veja, interrogue, sonhe.

Este crepúsculo, esta praia, este mar?

Todos os crepúsculos, praias, mares.

Tudo o que existe para que Ela olhe e veja, interrogue, sonhe.



Ela, aqui, é a essência da Humanidade.

5 comentários:

  1. Lindo poema, muito bem fundido na imagem, um e outra essência da humanidade.

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  2. Paulo, que bonito poema e que bem que ilustra a foto. Parabéns aos dois.

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  3. Especialmente para o José Magalhães

    Só agora passei por aqui.
    Não sei se é poema o que escrevi, não me tenho por poeta, a não ser "poeta da vida", como alguém (poeta vero) um dia me chamou.
    A disposição gráfica, a que a colocação no blogue parece obrigar, talvez contribua para que a versão "poema" ganhe alguma viabilidade.
    Na mancha gráfica, mais compacta, do "meu" original, talvez se denuncie como "prosa" ou algo próximo de uma prosa-poética ou do "poema em prosa".
    Estão lá, porque me ocorreram assim, alguns recursos estilísticos da poesia, é certo. Mas a verdade é que penso que, muito simplesmente, escrevo assim, gosto de brincar com as palavras e seus múltiplos sentidos, com esses recursos que, ao longo de milénios, elas mesmas foram associando à escrita e (não esqueçamos) à voz, ao dizer.
    A verdade é que a "encomenda" me chegou de supetão, mas tive a sorte de me "apaixonar" pela fotografia, particularmente inspiradora, que me suscitou, de imediato, como poucas o conseguiriam, várias linhas de aproximação e leitura.
    Escolhi a que mais se insinuou, com a intenção deliberada de o texto não ser inteiramente compreensível sem a foto, de não funcionar autonomamente e de "obrigar" o leitor a fazer um caminho: de pormenores concretos para a construção de uma ideia que se me impunha.
    Acontece que também tenho alguma formação na área das artes plásticas, que não esteve ausente.
    Se pelo menos um leitor se sentiu impelido a regressar à fotografia em certos pontos do texto, então terei alcançado mais um pequeno êxito na malandrice...
    Agora, ao reler o texto com esta inevitável distanciação, também gostei dele.
    E encontrei alguma satisfação, boa, nestes dias em que quase tudo me pesa e impacienta porque, à minha volta, tanta ferida se abre e supura na pele da humanidade, por acção dos que dela se apartam, pela indignidade do olhar que transportam, vazio e turvo, sobre o destino dos outros.
    E tudo radica numa pequena foto, plena de sensibilidade, da autoria de um sujeito de nome José Magalhães. A quem fiquei profundamente grato.

    Paulo Rato

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