segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O Terramoto de Lisboa - 5 - O sismo e a cultura em Portugal

(Conclusão)

Carlos Loures



Em Portugal, com a Inquisição a ser usada pelo marquês como polícia política, fiava mais fino. Em todo o caso, publicaram-se numerosas obras sobre a catástrofe. A maioria delas, descritivas, sem grandes incursões no território perigoso das razões filosóficas ou religiosas, tanto mais que o marquês depressa fez saber a sua opinião através de um panfleto que foi profusamente distribuído – o sismo fora motivado por causas naturais, não haviam intervindo forças sobrenaturais. Ponto final.

Um dos mais elucidativos exemplos desta forma prudente de abordagem é a de Paulino António Cabral, Abade de Jazente com «Ao Terramoto do Primeiro de Novembro de 1755. Romance Fúnebre!»:

«Um só momento, um só, porém terrível

Abre, rompe, destrói, faz em pedaços

Os doces lares, as sublimes torres,

Os Templos Santos, e os Palácios altos.

A rude queda das paredes rotas

Devora vidas mil por modos vários;

Pois sendo um só destino, é bem diversa

A morte que resulta dos acasos.»

É uma reflexão filosófica sobre o efeito que «um só momento» pode ter no frágil mundo dos humanos e a imponderabilidade do destino. Muitos outros livros houve, como por exemplo a «Nova e Fiel Relação do Terremoto, que experimentou Lisboa e todo Portugal no 1º de Novembro de 1755», de Miguel Tibério Pedegache, ou, de D.J.F.M., Teatro Lamentável, Cena Funesta: Relação Verdadeira do Terremoto do primeiro de Novembro de 1755», ambos publicados em 1756. A lista completa de títulos é grande e, para o que pretendo dizer, inútil.

Entre as excepções à onda descritiva ou meramente oratória, refiro duas das transgressivas – a do padre Malagrida e a de Cavaleiro de Oliveira. Que não tiveram um final feliz, diga-se. Francisco Xavier Oliveira, o famoso Cavaleiro de Oliveira, com o seu «Discurso Poético sobre as Calamidades presentes sucedidas em Portugal. Seguimento do Discurso Patético, ou Resposta às Objecções e aos Murmúrios que esse escrito sobre si atraiu em Lisboa», dirigindo-se a D. José, afirmava que ignorando a palavra de Deus e perseguindo tantos inocentes, os «culpados habitantes de Lisboa» tinham atraído a ira divina. E desenvolvia o mote, acusando implicitamente de ateísmo, com referências pouco discretas, Voltaire e, mais grave, o marquês de Pombal.

O mesmo e pouco original motivo, foi o introduzido pelo padre jesuíta Gabriel Malagrida (1689-1761), um pregador de origem italiana, que esteve como missionário no Brasil durante mais de trinta anos. O seu opúsculo «Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto que Padeceu a Corte de Lisboa no 1º de Novembro de 1755» considerando que a catástrofe era um castigo divino para os desmandos humanos. Já após o terramoto de 1531, clérigos e frades apontaram a mesma causa. Cavaleiro de Oliveira e Malagrida cometeram o erro de contrariar frontalmente o conteúdo do tal folheto que o marquês encomendara e no qual se afirmava que o terramoto era um fenómeno natural, nele não intervindo qualquer força sobrenatural. Ausente de Portugal, Cavaleiro de Oliveira não foi atingido pelo braço da Justiça. Malagrida foi desterrado para Setúbal, mas sendo depois envolvido no processo dos Távoras, entregue à Inquisição acusado de ter produzido afirmações heréticas, foi condenado à morte, estrangulado, o corpo queimado e as cinzas deitadas ao rio. Contrariar o marquês não era nada bom para a saúde. Cavaleiro de Oliveira foi, nesse mesmo auto-de-fé, queimado em efígie.

Procurei, de forma quase telegráfica, abordar muito pela rama as repercussões profundas que o grande terramoto de 1755 e o impacto da destruição da grande cidade de Lisboa, provocaram numa Europa onde a Luz abria temerosamente caminho entre as trevas de ancestrais ignorâncias. Tema que daria para vários volumosos livros.

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