sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sempre Galiza! – Do enquadramento da língua


coordenação de Pedro Godinho


“ De nada nos serviria que todo o mundo falase e escrevese en galego se ese galego (…) era realmente un castellano agalegado (…) Non abonda com que se fale galego, é que é preciso que ese galego sexa galego, é dizer, que non sexa un produto que con nome de galego nos apresente un dialecto do castellano. Asi que esta é a significazón que tem o esforzo que están realizando muitos intelectuais galegos en pro dunha reintegrazón do nosso idioma no seu sistema próprio (…) apesar do decreto de unificazón ditado para impoñer unha normativa oficial, existe un sector importante do país (…) que insisten na necesidade de ter em conta o galego histórico, e que non cren que se poda normativizar e normalizar a nossa língua sobre a base da realidade dialectal dos tempos modernos, que é a consecuéncia dun proceso de degradazón do noso idioma, producido por circunstâncias históricas de sobra conhecidas.”

   in Conversas en Compostela com Carballo Calero, M.A. Fernán-Vello / F. Pillado Mayor, ed. Sotello Blanco, 1986, p. 239


Nas palavras do professor Ricardo Carvalho Calero, “o galego ou é galego-português ou é galego-castelhano, não há outra alternativa”.


O longo período de colonização castelhana do galego abastardou-o  e tornou a questão da língua igualmente uma questão política.

Os que pugnam por um galego-castelhanizado, pretensamente ‘moderno’ por oposição a um galego ‘histórico’, alinham habitualmente com uma visão duma Galiza espanholizada e assimilada, isto é, com uma autonomia limitada e diluída num ente espanhol (leia-se castelhano) mais amplo.

A afirmação duma identidade galega, da nação galega, estão, também, ligados à afirmação da sua língua. Alguns galeguistas procuram no ‘isolacionismo’ a criação dum novo galego, pensando ser essa a melhor forma da sua afirmação, mas outros vêm no ‘reintegracionismo’, isto é, na reintegração das falas galegas no universo histórico-linguístico galaico-português (actualmente denominado internacionalmente de língua portuguesa), a visão do potencial de união do galego e do português (duas nações, uma língua), e da contribuição e utilidade que essa associação e rede internacional pode dar para uma Galiza livre, democrática e autogovernada.



Síntese do reintegracionismo contemporâneo


Para um melhor conhecimento e compreensão da problemática do galego e das bases do reintegracionismo, o Estrolabio irá publicar uma aliciante “Síntese do reintegracionismo contemporâneo” da autoria de Carlos Durão.

«Nota prévia: O presente trabalho foi concebido com o alvo eminentemente prático de orientar as pessoas que se acheguem sem preconceitos à problemática do idioma galego. Não é um ensaio histórico: só “contemporâneo”; e não é um estudo em profundidade: só uma “síntese”; tem, sim, uma parte de história recente, mas sobretudo quer refletir os testemunhos de um grande conjunto de pessoas que, em muitos casos independentemente umas das outras, chegaram a conclusões parecidas e convergentes: por isso elas não figuram no texto em ordem histórica nem alfabética. E, pelas mesmas razões, conclui com um mínimo de bibliografia e endereços de organizações reintegracionistas. Uma versão abreviada foi publicada no 1º Boletim da AGLP, 2008»


Tendo em conta a dimensão do ensaio, e para permitir uma melhor leitura sequencial, excepcionalmente, a rubrica bissemanal “Sempre Galiza!” no Estrolabio passará a diária durante a publicação deste relevante ensaio.

A partir da próxima 2ª-feira, dia 8, todos os dias, acompanhe, em “Sempre Galiza!” no Estrolabio, a “Síntese do reintegracionismo contemporâneo” de Carlos Durão.


A tentativa de nos reenquadrarem a língua

Hoje, com a habitual devida vénia, transcrevemos o seguinte artigo de opinião publicado no Portal Galego da Língua (http://www.pglingua.org) :

A tentativa de nos reenquadrarem a língua

Por Celso Alvarez Cáccamo

«Recentemente assiste-se a um certa tentativa de reenquadramento dos conflitos linguísticos no Estado Español em várias espécies.  Desde o "progressismo" centrista faz-se, por exemplo, em termos do apelo a uma "diversidade" semelhante à exuberância da flora tropical. É um discurso velho e novo ao mesmo tempo.

Velho, porque se recolhe também nessa pretensa proteção da "riqueza das modalidades linguísticas" que está na Constitución Española e em tanto discurso, também progressista, que não compreende ou não quer compreender o que é um projeto de construção de língua nacional. E novo porque, em lugar de atacar frontalmente os projetos de intervenção (pouca gente ousa dizer, por exemplo, que o galego "não serve para nada"), estes são reduzidos à necessidade de medidas locais, parciais, sempre estimadas em termos de necessidades específicas, numa paródia da auto-gestão dessa diversidade.

Em poucas palavras: a recuperação das línguas não-espanholas continua a ser folclorizada porque, no fundo, se concebe sempre um quadro linguístico mais amplo (o da Lengua dominante que não precisa de tal intervenção). Mas resulta que nem a Galiza, nem Catalunha, nem o País Basco, nem o País Valenciano, etc., são sociedades tribais com o que se chamam heritage languages ("línguas de herança") que um feixe de índios conscientizados ensinam em locais provisórios como puro "património simbólico".

Da mesma maneira, ao lado dos mitos do monolinguismo e do bilinguismo surge agora o mito do "plurilinguismo", um plurilinguismo peculiarmente concebido.

O título do infame Decreto Feijóo/Lorenzo da administração do PP ultrapassa o seu nicho no DOGA para ser motivo, por exemplo, dumas jornadas do STEG. Parece que o PP é especialmente hábil em gerar palavros que até a oposição do nacionalismo linguístico faz circular, para maior glória dos seus geradores.

 Porque, é que o "plurilinguismo" é ideia nova agora? E, de que plurilinguismo se fala? Do que sempre tiveram as elites poderosas que falam os idiomas poderosos do mundo para se comunicar na linguagem do dinheiro? Do plurilinguismo "de base" das sociedades multiétnicas (africanas, por exemplo), onde várias línguas de identificação social são utilizadas junto a línguas ex-coloniais e neo-coloniais (isto é, coloniais)? Ou não se tratará do ideal dum semi-plurilinguismo acaído para perpetuarem o semi-analfabetismo numa sociedade galega que, por não ter, não terá nenhuma língua inteira (nem português, nem inglês, nem español)?

E, por último, ressurge também o enquadramento da "ecolinguística", palavro também pegadiço como canção de verão. Tampouco é nova. As línguas no seu espaço eco-social, não é? Mas, ou isto se concebe em termos eco-sócio-político-linguísticos, ou se está a falar da mesma diversidade linguística de sempre.

Na realidade, não li um recente volume coletivo, Lingua e Futuro, com a focagem nessa onda, Unha perspectiva ecolingüística, porque um livro académico que fale do passado, presente e futuro do galego sem incluir nas suas cumpridas referências bibliográficas nem sequer uma menção a nem sequer um livro, trabalho, artigo, palestra ou texto jornalístico de nem sequer uma só pessoa reintegracionista durante décadas de produção (isto é, os que dizemos e escrevemos que galego e português são a mesma língua, que se chama língua portuguesa), merece-me pouquíssimo crédito. Será um livro pavero, mas não é nem ciência nem resistência. Um pergunta-se se a urgência duma improvisada contestação ao Monstro do PP, os interesses comerciais editoriais, a caché do termo "ecolinguística" e outros fatores oportunistas se impuseram, como amiúde acontece, sobre o critério do rigor académico para uma questão tão crucial como --dizem os mal pensados-- é a Língua da Galiza.

Mas é que, já digo, o jogo do reenquadramento discursivo parece estar a ser mais importante do que outras questões. Dirá-se que me estou a referir, na minha crítica, a discursos e posições muito diferentes. Talvez sim, mas nem tanto. Todos continuam a caraterizar-se, como é costume, pola exclusão. Não é grave que neste jogo se excluam pessoas, que são mortais, mas sim o que estas dizem, que permanece escrito. Esses discursos excluem afirmar com todas as letras que o conflito linguístico na Galiza é uma questão de Estado porque é um conflito entre línguas nacionais e de Estado, não entre uma Lengua plena dominante e uma curiosa variedade dominada a "proteger".

Tírios e troianos excluem, por exemplo, a evidência categórica de que não se pode reinventar o que é uma Língua Nacional, e que esta língua nacional já a temos noutros estados, para imitarmos a sua natureza e as suas funções (dentro das nossas formas) como obedientes discípulos. Excluindo assim o discurso da razão de Estado, isto é, a questão radical do conflito linguístico galego, permite-se e tolera-se a penetração de viragens discursivas de todo o tipo que, na realidade, não dizem nada novo e, sobretudo, não abrem as portas para agirmos nada novo. É esta uma ampla aliança, não o nego, dentro do que dei em chamar o "contínuo galeguista", bem tolerada desde o centro. Mas uma aliança social assim não dá necessariamente a razão.

O galego é língua portuguesa. A gente antiga da Galiza inventou a língua, decerto, mas estruturas não galegas muito posteriores ("Portugal") inventaram a língua nacional. Um agir linguístico, cultural e político responsável deveria começar por não omitir nunca esta evidência histórica, que só uma hipocrisia de classe e de facção dominante de campo quer apresentar como dolorosa.»


Reveja também aqui o vídeo da Sessão Inaugural da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), realizada em 6 de outubro de 2008, em Santiago de Compostela, Galiza - Europa:

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