segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Baltazar Garzón: cinema e justiça

Pedro Godinho


Convidado pelo Estoril film festival, no passado mês de Novembro, o juíz Baltazar Garzón falou sobre cinema e justiça. Aqui ficam alguns apontamentos:



Sobre a justiça internacional

O direito é a última reserva contra a impunidade. É esse o âmbito da justiça internacional.

O Tribunal Penal Internacional é a iniciativa de paz mais importante dos últimos anos. O sistema de princípios internacionais constitui um corpo jurídico que contrabalança eventuais abusos nacionais.

Actualmente, há duas posturas judiciais em confronto: uma que advoga que se deve interpretar a lei num sentido mais universalista (linha dos direitos humanos), porque os crimes e as vítimas são universais; outra segundo a qual o que importa exclusivamente é o território e a soberania, que interpreta a lei num contexto estritamente local.

No mundo inteiro, do ponto de vista dos tribunais internacionais, há um consenso de que as normas de impunidade têm de desaparecer.

Sobre a indiferença e a responsabilidade

É precisa uma reflexão sobre a indiferença.

Em Espanha não se discutiu nada. Houve uma transição, mas nunca se debateu a questão dos desaparecidos do franquismo.

Há muita gente que não quer que se investigue isso, porque acha que estamos bem como estamos. Falam, decerto, da sua perspectiva, não da dos familiares das vítimas. Para sarar uma ferida é preciso primeiro limpá-la.

Face aos discursos negacionistas há que praticar uma ética da responsabilidade em lugar do aproveitamento.

É preciso combater a indiferença e defender os valores básicos da ética, da responsabilidade e do bem-comum. Estão teorizados mas há que pô-los em prática. Para isso, a educação é fundamental.

Em Itália, o general Della Chiesa, que dirigiu a luta contra a mafia e a violência organizada, quando lhe disseram que a tortura dos detidos das Brigadas Vermelhos associados ao rapto de Aldo Moro era a única forma de obter informações e salvá-lo, terá respondido que, no limite, a Itália podia permitir-se a perda de Aldo Moro mas não a prática da tortura.

Sobre os registos, a memória e a acção

As imagens, os documentos cinematográficos, são determinantes em processos de recuperação de memória colectiva. Mas estas obras são também fundamentais para consciencializar as pessoas.

Um filme sobre a ditadura  argentina, ou Pinochet, ou o Iraque, tem muito mais impacto junto das pessoas do que uma investigação judicial. E cria consciência para que quando se iniciar uma investigação sobre esses factos os cidadãos estejam lá para exigir que ela se faça.

A acção concreta, por mais inútil que pareça no imediato, pode produzir efeitos, noutro momento, noutro lugar, por mais inesperado e longínquo que pareça. Há que ousar continuar. E fazer bem o que é necessário fazer. É importante que cada um seja um bom profissional e realize correctamente o seu trabalho, por pouco relevante que possa parecer.


Estamos a avançar. E nesse caminho a consciencialização das sociedades é cada vez maior. E isso o que implica? Que as resistências do Poder vão ser também maiores.

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