quinta-feira, 16 de dezembro de 2010





Canção para Maria


Carlos Loures


Francisco Fanhais cantando Canção para Maria (Queria Um País de Sol Para te Dar) na FNAC do Fórum Almada.


Este poema faz parte do meu livro A Poesia Deve Ser Feita Por Todos (1970) Escrevi-o no presídio do Reduto Norte de Caxias no Inverno de 1968, dedicado a minha mulher. O Francisco Fanhais musicou-o e ainda hoje o canta com frequência. Pôs-lhe o título de Canção para Maria.

Há uma história interessante relacionada com este poema, para além do facto das circunstâncias em que foi escrito e da forma como, com muitos outros textos, saiu comigo quando fui posto em liberdade, após seis meses de cativeiro – dentro de sapatos, entre a palmilha e a sola: o Francisco Fanhais cantava o poema por muitos lados e antecedia-o sempre da mesma história – «o Carlos Loures uma tarde disse para a mulher: – Vou até ao café, venho já!» – e o Fanhais fazia uma pausa e rematava – «voltou passados seis anos!»

Isto tinha-se passado assim, eu de facto fui preso no café, mas foram seis longos meses e não seis anos. Quando, finalmente, já depois do 25 de Abril conheci pessoalmente o Fanhais, pedi-lhe para ele fazer a rectificação.

Aqui vai o tal poema:



Queria um país de Sol para te dar,
com amantes e crianças nos jardins,
pássaros livres a cantar nas árvores
e a luz em liberdade pelas ruas
- as coisas nos lugares onde as sonhámos
e não nos sítios onde estão,
com armas aperradas a guardá-las.
Um país onde sulcássemos as límpidas manhãs
com sorrisos claros vestindo as faces.
Um país sem muros, sem medo
nem carimbos nas cartas que escrevemos
e ouvidos nas palavras que dizemos,
em segredo.

Mas, meu amor, nascemos cedo,
chegámos ainda a tempo de viver
este tempo que vivemos
com lágrimas ocultas no sorriso,
a raiva escondida nas carícias
e uma secreta esperança aprisionada
nos nossos corações aprisionados.
Viemos ainda a tempo de sofrer
Este tempo que sofremos
dia a dia e que sulcamos,
com os beijos vigiados,
com os nossos segredos desvendados,
com este amor amputado e prisioneiro
com que amamos.

Meu amor, não desertemos
Do tempo e do país em que nascemos
(e viver outro tempo dentro deste
ou estar fora do país
dele não saindo,
também é desertar).
Já que foi este o tempo que nos coube,
já que foi este o país que nos deixaram,
temos de conquistar o Sol que os ilumine,
roubando-o ao silêncio e à mordaça
que nos sufoca a voz – Não desertamos
- o ódio, o medo, a morte
que fujam, que desertem
se o amor os insulta e ameaça.
- Nós ficamos!

Com ao companheiros
e o amor dos companheiros,
o amor será mais forte
do que o ódio, do que o medo, do que a morte.
A luz também se constrói com os nossos beijos,
com as palavras clandestinas que escrevemos,
aquelas que a opressão não vê nem ouve.
A luz também se constrói com os nossos filhos,
eles tingem de luz nova
as sombras que com ódio vêm pôr
entre as carícias, os beijos e as palavras.
Neles se erguerá a luz para amanhã
e a liberdade prisioneira nos nossos corações
inundará de Sol as ruas,
meu amor.

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