domingo, 5 de dezembro de 2010

Divorciar não é deixar de amar (ensaio de etnopsicologia da infância), por Raúl Iturra



para as mulheres que me têm amado e respeitado, e vice-versa, especialmente essa que ainda amo porque permitiu a minha eternidade na nossa descendência….1. O título parece contraditório. Mas, a contradição é a lógica que ensina e da qual se aprende a tese que faz parte da vida e que a estrutura. Bem diziam Hegel e Marx que a evidência é a verdade, mas que perante essa evidência aparecia uma outra realidade ou antítese, e que das duas, nascia uma síntese ou realidade perante a qual a nossa vida se organiza e estrutura. Essa síntese é parte tese e parte antítese. É o que parece ser o matrimónio e o divórcio. A tese do casamento, é o amor; a do divórcio, é deixar de amar, ou, eventualmente escolher outra pessoa para substituir a pessoa que um dia foi amada e fiel, até o ponto de terem filhos em conjunto. Esses filhos descendentes do casal que se separa estão habituados a esse pai e a essa mãe. Porém, uma pessoa substituta não acorda o amor e o carinho que existiam no lar nos tempos do amor e do entendimento entre os pais. Quase dá para dizer que quem mais sofre no divórcio são as crianças e não os pais. As crianças não têm sentimentos desenvolvidos para pensar e entender esse porque duas pessoas que se amam, acabam por entrar ao mesmo quarto mudos e sair calados. Ou a gritos que conseguem ouvir entre duas pessoas que já não se suportam. Os mais pequenos são os que mais sofrem.

Normalmente, pensa-se que o divórcio, como está definido na Lei Civil e no Direito Canónico, é a mais terrível cissão entre dois seres humanos no Ocidente que não conseguem suportar viver sob o mesmo tecto, partilhar carinhos, amar incondicionalmente os descendentes, concebidos em conjunto, e a ascendentes conhecidos bem mais tarde, na vida cronológica. Mas, especialmente, conhecer seres humanos novos, simpáticos, sedutores, que conquistam e avassalam a nossa emotividade. O divórcio é a estrutura que organiza um novo processo de interacção entre adultos e crianças. Os adultos, acabam por encontrar essa nova paixão, enquanto as crianças desencontram a confiança, a afectividade, o saber amar, o saber dizer com orgulho: este é o meu pai, esta é a minha mãe. Aos Domingos, nas férias, nos passeios, nas maneiras de se acarinhar. As crianças reparam, sem entender, que o mundo fica dividido em dois: os amigos (as) de um progenitor são os inimigos do outro. Enquanto eles, no meio, acabam por não saber escolher. Os mais velhos ignoram a dor da criança e não reparam no dano que a falta de ascendentes que demonstrem o seu carinho quotidiano, faz das suas emoções, palavras que não conseguem explicar os sentimentos.

2. No entanto, será assim tão verdadeiro que o divórcio acaba com o amor entre cônjuges, ou, por outras palavras, entre pais e mães? Não haverá desenvolvimento dos adultos no decorrer da vida, que levam um para um tipo de interesse que não tinha no primeiro dia da paixão, quando concebiam? Será que não existe uma cronologia no tempo e mudanças nos costumes, que permita essa separação que nem o adulto percebe entende que começou a existir? Quanto mais a criança! Será que a passagem do tempo ensina formas alternativas de desejar, interacções intelectuais que atraem pessoas certas? As mudanças nas formas económicas e históricas da vida. O passar da acumulação do lucro das pós guerras à globalização, procurada para um grupo social ser mais forte que o outro. Talvez pareça estar enfatizar as formas domésticas de mais-valia entre seres humanos. Então, a ética e a estética? E a educação? E o breeding de todo antigo casal?

3. O conceito é mitológico porque o divórcio é definido como a impossibilidade de se estar junto ao longo do tempo. Até aos anos 70 do Século XX em Portugal, as crenças e as formas de interacção, eram de grande emotividade. Aprendizagem de normas e ideias de que a mulher está em primeiro e o homem depois. Embora, dentro do lar, os comportamentos pauta vão se pelo inverso. Enquanto as crianças viam e ouviam esta contradição e não a entendiam. Hoje, já crescida a criança, até dá a sua opinião sobre os que os seus pais fazem e eles ficam embaraçados. E, quando as crianças crescem e têm os seus filhos, esta nova descendência faz desenvolver uma afectividade entre progenitores, entendem-se, comentam, recuperam a memória do passado e aprendem a não falar de ideias que já provocaram dor.

O divórcio, assim pensado, não mata o amor. O divórcio não envolve apenas duas pessoas. Envolve o grupo social e vamos ficando assim habituados às novas afectividades. Há um senão entre adultos: formas psicológicas de entender a afectividade, organizar a mente como se de um tribunal se tratar para entender o cônjuge. Facto que acontece menos com o passar do tempo.

A temática é complexa e muito extensa, mas a realidade é que o divórcio é a síntese do amor. Síntese do amor, porque a paixão acaba, morre o amor mas o carinho e o respeito continuam ao longo da vida. Especialmente quando há filhos e netos em comum, filhos que precisam do pai e da mãe, necessidade que orienta aos adultos a viver em harmonia.

De facto, se a paixão e o amor acabam um dia, deve, de certeza, existir por trás uma batalha de mal entendimento entre os adultos, mal-entendidos que as crianças observam, temem e procuram auxílio entre outros adultos por causa de que os seus nem conseguem falar entre eles.

Tinha dito que o divórcio não mata o amor, mas esse facto acontece mais tarde, quando a separação que precede ao divórcio, habitua às pessoas a viverem sós. Ou com outra pessoa parceira que não consegue substituir a filiação da criança. Não é possível esquecer que separação e divórcio acontecem depois de um cumprido tempo de desencontros entre adultos que, antigamente, eram mel com açúcar. Aliás, as crianças precisam dos seus adultos para entender o mundo e formar os conceitos que orientem a sua vida. Se esses conceitos derivam de um desencontro entre pais, é natural que, em adultos, terão medo ao amor e ao carinho: o exemplo dos seus pais tem formado uma ferida dentro dos seus sentimentos.

Aliás, os filhos tomam parte na luta entre os pais e há os que ficam da parte da mãe, e outros do pai. Se o caso assim for. Porque, pelo que tenho observado nas minhas investigações de trabalho de campo a maior parte das vezes que vão embora é o pai, normalmente por namoros com outra mulher, ficando assim, uma mãe abandonado sem dinheiro e com crianças para tomar conta delas, ajudar nos estudos, a se vestir e outras labores domésticos além do trabalho que faz para se sustentar e encher o bolso, porque maridos que abandonam mulher e filhos, só colaboram se são levados ao tribunal.

Este substantivo faz-me lembrar outro padecer dos filhos: a custódia deles, caso forem menores de idade. Manda a lei que os varões ficam com o pai, se o progenitor tiver esse anseio, até os dezasseis anos, e as raparigas, com quem a deu a luz até os catorze anos. Nos casos que tenho analisado, ficam sempre com a mãe uma grande percentagem dos descendentes. No entanto, no entanto, praticamente não acontece nestes dias, os filhos são emancipados aos dezasseis, varão ou fêmea, ou simplesmente vão fora de casa por falta de pais e com a dor que cause em eles essa separação. Não foi por casualidade que escrevi um dia um texto intitulado o som de um ninho vazio! Quem sabe mais destas histórias é Anália Cardoso Torres, provado nos seus dois melhores livros, de entre tantos que tem escrito: Divórcio e, Portugal. Ditos e Interditos, 1996, publicado pela CELTA Editores, Oeiras; e Vida conjugal e Trabalho, 2004, mesma editora, um ensaio aprofundado e circunscritos a casos que ajudam a entender melhor os factos do primeiro, apesar de ser o do divórcio, o seu melhor livro. Foi assim que eu pensei na temática sobre a qual hoje escrevo.
Há também os homens abandonados e trocados, nos sentimentos da, já a sua antiga mulher. Homens conhecidos por mim em Cambridge, homens que viviam no desespero de não saber o que fazer com as suas crianças. Foi organizada uma associação para colaborar uns com os outros, a LonelyParents Union à qual também se associaram senhoras, bem mais espertas na manutenção do ninho vazio. Todos com trabalho na universidade, o que levava a deslocação sistemática para outras academias no UK o fora do país. Quem tiver que se ausentar, levava as suas crianças a esse ninho, tomava conta dos deles e de dos progenitores ausentes. A relação era com reciprocidade: quem tiver tomado conta das crianças de um, ao ter que se ausentar, levava à prole ao dito ninho vazio do amigo. Para que a associação puder funcionar bem, era antes preciso juntar pais e crianças para uma festa com bolos, leite e chá. Formas de defesa que pretendi trazer a Portugal, mas há a funcionalidade dos avôs, dos tios, da família alargada ou dos vizinhos que prestavam os seus serviços com bondade e simpatia.

Se divorciar-se não é deixar de amar, esse sentimento se esconde do ridículo de andar a pedir colaboração a outros. Muitos divorciados acabaram por nunca mais se ver. Conheço, entre as minhas indagações, sobre a temática, um casal de alta alcunha, ele foi-se embora com outra mulher, arrependeu-se do caso e solicito a mãe dos filhos, uma artista, para tornar a viver juntos. A Senhora, muito digna, não respondeu e solicitou para deixar a sua casa, desejando-lhe sorte nos amores, dando o caso por resolvido. Nunca mais casou nem teve amores com outros. Os seus sentimentos estavam encaminhados para os seus descendentes. É a minha contra prova do acontecido na vida social, em que normalmente a mulher anda trás do pai dos seus pequenos, porque o divórcio não mata o amor, frase criada por mim a partir dos factos observados e vividos que, com a passagem do tempo, passam.

Era isto que queria lembrar aos meus leitores nesta denominara quadra natalícia, em que as famílias se juntam: há as que não conseguem e há as que não se importam…, sempre que a nova pessoa amada for capaz de aceitar ao antigo parceiro, sem a nova mulher e vice-versa.

E a história acaba aqui, por falta de espaço. Porque histórias deste tipo, têm pano para mangas…Eis porque tanto livro é escrito sobre a temática, que, de entre tantos problemas que existem na nossa sociedade, este nunca teve una solução pacífica, excepto com a passagem dos anos…O amor que persiste, se culta, e o amor que morre, deve ser enterrado e nunca mais ver a quem nos causara mal por traição amorosa…

2 comentários:

  1. Por impedimento técnico, o Professor Raúl Iturra não pode inserir um comentário que entende indispensável. O que faço em seu nome:
    "Este ensaio é resultado do meu trabalho de campo entre casais separados e ou divorciados, que acabam por não se entender. Como Etnopsicólogo da infância, não podia deixar de comentar, por causa das festas, que as crianças sofrem se não vem aos seus adultos sofrem. É necessário procurar uma alternativa para paliar uma dor que estremece."

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  2. Agradeço ao meu amigo Carlos Loures publicar o meu comentário. As Máquinaa informáticas, são um mistério para mim!Anos e anos a trabalhar com elas, e ainda não consigo entender!
    Gostava acrescentar esta ideia: dizem por ai que os meus textos são quase autobiográficos. Bom, este não é, como os outros. Se a minha família aparece, é devido a estarem sempre comigo en trabalho de campo, fazem parte da minha equipa, primeiro mulher e filhas, hoje em dia devo acrescentar genros e netos! Agradeço essa colaboração, especoalmente a de Maria da Graça Pimentel Lemos, que fixa em bom português todos os meus textos. O que faria sem ela!

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