Carlos Loures
Eduardo Galeano nasceu em Montevideu, em 1940), é um escritor e jornalista uruguaio. Autor de mais de 40 obras traduzidas em diversos idiomas, a mais conhecida das quais é «Las venas abiertas de América Latina», 1971 («As Veias abertas da América Latina», com prefácio de Isabel Allende, edição de Paz e Terra, São Paulo, 2007).Preso em 1973, quando do golpe militar, exilou-se depois na Argentina, de onde, em 1976, com a criminosa ditadura de Videla, teve também de fugir, pois estava nas listas dos esquadrões da morte. Refugiou-se em Espanha, regressando ao Uruguai quando, em 1985, a democracia voltou. No seu livro «Crónicas 1963-1988», publicou o texto «Defensa de la palabra», no qual inspiro a presente crónica – aconselhando vivamente a leitura das obras deste lúcido escritor latino-americano). Este texto mereceria uma análise mais aprofundada, porque referindo-se à América Latina, tem um alcance universal, abordando problemas que afectam e afligem todos os que usam a palavra como arma e como ferramenta de trabalho.
Porque escrevemos? Porque usamos a palavra como utensílio de eleição? Eduardo Galeano responde: - «Escrevemos a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros, para denunciar o que dói e partilhar o que dá alegria. Escrevemos contra a própria solidão e contra a solidão dos outros. Supõe-se que a literatura transmite conhecimento e actua sobre a linguagem e o comportamento de quem a recebe; que nos ajuda a conhecermo-nos melhor para nos salvarmos juntos. Mas «os outros» é um termo demasiado vago; e em tempos de crise, tempos de definição, a ambiguidade pode assemelhar-se demasiado com a mentira. Na realidade, escrevemos para pessoas com cuja sorte, ou má sorte, nos sentimos identificados, os mal alimentados, os sem abrigo, os rebeldes e os humilhados desta terra, e a maioria deles não sabe ler. Entre a minoria que sabe, quantos dispõem de dinheiro para comprar livros? Galeano responde: - Resolve-se esta contradição proclamando que escrevemos para essa cómoda abstracção chamada “massas”?»
Lançado o tema eterno do abismo que se abre entre o escritor e os destinatários da sua escrita, Galeano aborda a questão da miséria na América Latina, seu tema de eleição, concluindo que os países pobres pagam para que seis por cento da população mundial possa impunemente consumir metade da riqueza que o mundo inteiro gera. Assinala o desenvolvimento de uma indústria restritiva e dependente, assente sobre velhas estruturas agrárias, agudizando as contradições sociais em vez de as atenuar. Referindo-se sempre á sua América Latina (embora, com já disse, os pressupostos que apresenta assumam uma validade universal), pergunta: «por que não reconhecer um certo mérito de sinceridade nas ditaduras que oprimem, hoje em dia, a maioria dos nossos países? A liberdade das empresas implica, em tempo de crise, a prisão das pessoas.» Refere também a desertificação que a miséria provoca no tecido cultural dos países latino-americanos, com a fuga dos cientistas em particular e dos intelectuais em geral, abandonando laboratórios e universidades sem recursos.
Eduardo Galeano passa em revista toda a contradição que resulta do contraste entre a liberdade de expressão dos escritores, que podem dizer o que queiram, e o cárcere de limitações das necessidades mais básicas em que vivem aqueles a quem as suas palavras se destinam. Defende algo que os defensores da pureza da arte, sempre condenaram – a escrita como instrumento. Para esses, o objecto da arte é a própria arte. Mas Galeano termina o seu extenso discurso em defesa da palavra, afirmando que «Lentamente vai ganhando força e forma, na América Latina, uma literatura que não ajuda os outros a dormir e que, pelo contrário, lhes rouba o sono; que não se propõe enterrar os nossos mortos, mas perpetuá-los; que se nega a varrer as cinzas e procura, em contrapartida, acender o fogo. Essa literatura continua e enriquece uma formidável tradição de palavras lutadoras.» Curiosamente, este discurso em louvor da palavra, vem reacender uma controvérsia que, sobretudo nos anos sessenta, fez correr muita tinta – a dicotomia entre a forma e o conteúdo.
Um texto lúcido e escrito numa linguagem límpida e que merece ser lido e estudado com atenção, demonstrando que a palavra não pode estar dissociada da vida.
domingo, 19 de dezembro de 2010
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