sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O berço da pobreza





Adão Cruz


A pobreza transformou-se agora em bandeira eleitoral de todos aqueles que por ela são e sempre foram responsáveis. Descarada hipocrisia.

Em nome da competitividade e da convergência cometem-se as maiores barbaridades. Em nome da competitividade e da convergência, a indiscutibilidade das decisões, a globalização, a modernidade, a flexibilização e a privatização são as palavras inquestionáveis das estratégias de dominação por parte daqueles que sabem quem tudo ganha à custa de quem tudo perde.


Tais fórmulas transformaram-se numa ideologia sem sentido que leva à destruição sistemática do Homem, através do desemprego, do baixo salário, da toxicodependência, do crescimento dos sem-abrigo, do desespero, da apatia e iliteracia da juventude. O assalto às economias pelas mãos de luva branca, hoje quase institucionalizado entre aqueles políticos que mais não são do que homens sem qualquer honra, vergonha ou dignidade, levou à perversão dos conceitos, à aniquilação da resistência e da vontade dos homens dignos, à inoperância da Justiça.

Todos estes fenómenos se acentuaram quando se desenvolveram políticas doentias de saque e destruição, destinadas a reforçar o poder do capital de forma profundamente criminosa, através de absurdos super-lucros e mais-valias, e do escandaloso desvio do nosso dinheiro para obscenas reformas de ninhadas de parasitas, à custa do esmagamento da qualidade de vida da maior parte do povo.

Circulam no mundo triliões de dólares avidamente à procura do sítio onde se lucra mais, nem que esse sítio seja o imenso cemitério para onde resvalam milhões de vítimas. Não basta os políticos tidos por sérios dizerem que a solidariedade é um factor fundamental e o princípio mais importante do nosso século. Não basta dizerem que continua a haver países mais ricos e outros mais pobres e, dentro dos mais ricos, cada vez maior diferença entre ricos e pobres. Não basta lamentarem a pobreza e dizerem que a pobreza e a exclusão geram guerras intermináveis. Tudo isto é sabido e não é cantarolando a Paz e a Cooperação, de mão dada com os corruptos, os ladrões e os senhores da guerra que se ganha o título de vencedor.

Muitos destes políticos pregadores da paz e da liberdade foram e são co-responsáveis pelo engrossamento do exército de famintos, refugiados, oprimidos e condenados da terra. Co-responsáveis no abrir de portas e no estender de tapetes às chancelarias do crime organizado. Por mais que preguem, por mais debates e conferências que façam, não anulam o descrédito em que caíram ao pretenderem convencer-nos de que as expectativas de paz, liberdade e justiça são possíveis com o aperto de mão dos verdadeiros terroristas do mundo ou com as orações a Deus, as quais, pelos vistos, só são ouvidas quando saem da boca dos afortunados e não quando tomam a forma de gemidos.

Nós andamos distraídos com os fumos de incenso que os responsáveis vão espargindo pelos quatro canais da estupidez institucionalizada. E tudo isto porque os importantes grupos económicos, células de um cancro universal, tomaram conta do poder político, transformaram os governantes em lacaios e limparam os pés à soberania. Arrepanharam toda a informação global, e com ela o poder de mudar e moldar os comportamentos até à anulação da verdade e do pensamento. De forma humilhante e perversa criaram uma maquiavélica desinformação, com a qual inundaram de publicidade enganosa e de ignominiosas mentiras as cabeças de um povo cada vez mais roubado, massificado, ridicularizado, estupidificado. E depois ainda têm a lata de vir falar no combate à pobreza.
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(ilustração de Adão Cruz)


2 comentários:

  1. E o teu texto é o terceiro mais lido.

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  2. É bem verdade. Os Estados modernos ao fecharem os olhos à ganância, ao desregularem os mercados, ao não actuarem a bem do interesse geral ,fazem parte do problema . Os poderes e os meios poderosíssimos que foram concentrados nos Estados servem a rapina, é necessário desenvolver uma sociedade civil forte e participativa, sem o que a miséria alastrará.
    É o estatismo, uma doença que alastra e á qual muitos de nós dão guarida.Este não é o Estado social ao serviço dos que mais necessitam.

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