segunda-feira, 27 de dezembro de 2010



Os gatos que nos aceitam – VIII

Clara Castilho



I)



Cecília Meireles em Lisboa. Desenho de seu primeiro marido, Fernando Correia Dias.

O gato desce a escada *


Não tem nome nenhum. Não sabe que é gato, quadrúpede, mamífero, de pêlo preto. Não sabe que está num jardim, nem de que casa, em que rua, no mundo, num planeta, entre planetas, lua, sol, estrêlas, nebulosas, cometas – no meio do universo.

O gato desce a escada. Solenememte. Como se soubesse tudo isso e muito mais.

O gato desce a escada. Silenciosamente. Como se não existisse.

Pedras, árvores, brisa da tarde, pingo d’agua da fonte no muro, passarinhos na ponta dos telhados, nada disso o distrai. Botânica, Zoologia,
Mineralogia, nada disso tem nome, para êle, nem conteúdo, nem separação.

O gato desce a escada.

Ninguém o chamou. Não tem família. Não tem casa. Não parece ter fome nem sêde: é luzidio, nédio, grande e sereno.

Mas desce a escada.

Lá fora, pode ser ferido pela pedrada dos meninos máus. Pode ser atropelado por uma roda qualquer, dos milhares de rodas que sobem e descem pelos caminhos. Pode ser agarrado, esfolado, e virar tamborim, nas festas de Carnaval que estão preparando nos morros. E, se algum feiticeiro o avistar, pode ser cozido numa panela nova, que é a fórmula de tornar os homens invisíveis.

Humanidade, Vida, Morte, Dôr, Alma, Deus, - êle caminha solitário entre as palavras e as idéias. Ele desce a escada.

Quando escurecer, seus olhos serão fosforecentes. Mas êle nunca viu seus olhos. Atrás dêle vão a sua sombra e o meu pensamento. Cada qual mais precário.

O gato desce a escada.


1952 Cecília Meireles ***


* Inserido numa carta particular endereçada a Maria Cecília Correia. Ignora-se se foi publicado. Grafia utilizada na carta.

II)


Frida Kahlo


O poema é de Alexandre O'Neill (1924 - 1986)



Ana Ester Neves é uma reconhecida cantora lírica soprano portuguesa formadae no Conservatório Nacional de Lisboa, estudando ainda no Royal College of Music de Londres e na Universidade de Boston. Tem actuado em diversos palcos nacionais e internacionais e participado em gravações ( 6ª Sinfonia de Joly Braga Santos e a ópera Os Dias Levantados de António Pinho Vargas).
Francisco Monteiro, iniciou os seus estudos de piano com Maria Helena Aguiar e Helena Costa, tendo mais tarde ingressado no Conservatório de Música do Porto onde terminou o Curso Superior de Piano com alta classificação. Estudou ainda composição e análise com Cândido Lima, Álvaro Salazar (Porto) e Gottfried Scholz (Viena), direcção de orquestra com Jean-Claude Hartemann (Paris), interpretação musical com Marie-Françoise Bucquet (Paris) e participou em diversos cursos com professores como Vlado Perlemutter, Anne Koscielny, Nathalie Pepin, Joseph Palenicek, Moura Castro, Jorg Demus, Aldo Cicolini e Peter Schidlof.

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