quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Uma aula prática de Economia no reino do neoliberalismo - 3

3. Editis, proximamente será espanhola

Salvo golpe de teatro, o segundo editor francês, Editis, será espanhol a partir de Junho de 2008. Ontem, o seu proprietário, Wendel Investimentos, anunciou ter entrado “em negociação exclusiva” com Planeta, o líder da edição hispânica, para revender um conjunto prestigioso e muito rentável (Nathan, Plon, Robert Laffont, Découverte…). Em seis anos, Editis terá assim conhecido quatro proprietários-accionistas diferentes. Vendido por Vivendi a Lagardère em 2002, seguidamente vendida, dois anos mais tarde, à família Wendel sobre injunção de Bruxelas — em nome do respeito da concorrência —, e agora revendida aos espanhóis de Planeta. Recorde-se, no entanto, que o barão Ernest-Antoine Seillière tinha assegurado a todos os editores da casa que Wendel seria pelo menos accionista de Editis “por quinze anos”. Cruz de madeiras, cruzes de ferro.

Máquina de dinheiro à vista.

Porquê revender assim tão rapidamente? Primeiro, porque Editis se transformou numa temível máquina de fazer dinheiro à vista e mais rapidamente que o previsto. Em quatro anos, o seu resultado de exploração passou de 50 para 90 milhões de euros. E a sua taxa de margem (lucro sobre o volume de negócios) passou de 7,5% para 12%. Resumidamente, Editis ganha efectivamente muito bem a sua vida. E vale por conseguinte muito dinheiro. Daí a tentação do salto em Wendel. “Há ainda alguns meses não se tinha, de forma alguma, a intenção de vender”, reconhece um porta-voz do grupo. Comprada por 660 milhões de euros, Editis é revendida por 1,026 mil milhões de euros aos espanhóis. Belo golpe que satisfaz primeiro os accionistas de Wendel. A outra razão não tem nada a ver com os livros, mas com Saint-Gobain, o líder mundial dos materiais de construção. Porque desde o fim do Verão de 2007, Wendel partiu ao assalto do grupo francês (detém hoje 21% do capital) no momento preciso em que os mercados financeiros se punham em queda, todos eles. Daí a necessidade para Wendel de dar-se um pouco de ar revendendo a sua pepita Editis.


“No comment”.

O efeito colateral deste pequeno jogo de dinheiro é que as memórias do general de Gaulle (editados na Plon) serão doravante espanholas. Recorda-se que nesta perspectiva, em 2004, tinha feito o governo aparecer no mercado com Raffarin a defender uma certa “excepção francesa”. Hoje, a paranóia parece ter reaparecido. “Mesmo no Elysée, é um ‘no comment’”, assegura um profissional. “É que o livro, é também um negócio, uma indústria”, diz-se em Wendel. Tê-lo-emos compreendido.

Grégoire Biseau, “Editis en passe de devenir espagnol”, Libération, 22.04.2008



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4. O dinheiro embolsado com a venda de Editis

Só os líderes do grupo e o seu proprietário, Wendel, tiveram proveito com a cessação do número 2 francês da edição, Editis. Revoltados, os assalariados apresentaram uma petição. Falar de situação grave seria talvez excessivo. Mas num meio tão elevado como o é o mundo da edição em França, não se tinha visto similar agitação desde há muito tempo. “Nos corredores, todos falam deste tema, com a mesma náusea”, suspira uma assalariada. Isto? São as condições da venda do grupo Editis, propriedade de Wendel Investimento, ao espanhol Planeta. Daqui resulta que uma muito pequena minoria de quadros dirigentes de Editis e de Wendel vai compartilhar com toda a impunidade um pacote calculado à volta de 35 milhões de euros. Ou seja, 10% da mais-valia total realizada por Wendel revendendo o segundo grupo de edição francês (Plon, Nathan, Robert Laffont, Fixot, La Découverte…) ao seu concorrente espanhol. É o mesmo que dizer que a refinaria de açúcar permanece atravessada na garganta de muitos assalariados. Ontem, a quatro dias da oficialização da venda de Editis à Planeta, Robert Laffont, uma das 44 casas de edição de Editis, apresentou uma primeira petição, assinada por mais de 90% dos assalariados, pedindo a Alain Kouck, o proprietário de Editis, “um encontro entre os parceiros sociais e a Direcção-Geral de Wendel a fim de determinar o montante e as modalidades de pagamento desta mais-valia a cada um dos assalariados do grupo”. Outras petições circulam no grupo com a mesma palavra de ordem: “Nós também queremos a nossa parte do bolo.” “Quando se sabe os esforços que nos têm pedido em termos de rigor salarial neste ano e se descobre na imprensa estes montantes, é pura e simplesmente escandaloso”, declara um assalariado da holding, que antes de nos separarmos pede-nos para não mencionar o seu nome, “porque a direcção pediu-nos que não se falasse à imprensa”.

“Uma forma de ética”.


Aqui é que a questão assume todo o seu sal político, pois, muito em cima, na parte superior da pirâmide, reencontra-se o barão Ernest-Antoine Seillière, presidente do conselho fiscal de Wendel, antigo big boss do Medef, mas sempre patrão da UNICE, a federação das empresas europeias. Conhecia-se o homenzinho pelas suas boas palavras, as suas projecções políticas e as suas lições de moral sobre “a responsabilidade dos proprietários”, mas aí está ele apanhado em flagrante delito de dissimulação. Porque toda esta montagem foi realizada no maior segredo. Apesar dos repetidos pedidos de informações dos representantes do pessoal, a direcção de Editis e de Wendel recusam sempre fazer a mais pequena luz sobre este tipo de construção. Quantos dirigentes estão metidos neste negócio? Por qual mecanismo? Por qual montante? Nada, os sindicatos não saberão nada. A priori não se é contra a hipótese de se poder oferecer acções aos assalariados, ainda é necessário que se saiba e que isto seja proposto a todos”, indigna-se um eleito. “Isto não é uma questão de camaradagem, responde a directriz da comunicação de Editis, nem todos têm vocação a criar valor. Este sistema de motivação foi concebido como uma forma de incentivo aos que assumem um risco estratégico. Há uma certa forma de ética.” E precisa, evidentemente, não faz parte dos felizes eleitos.

Sorte

Os assalariados de Editis lembraram-se então muito rapidamente das somas loucas que os dirigentes de Wendel meteram ao bolso algumas semanas antes. Mas desta vez, sem nenhuma relação com a venda de Editis. No mês de Maio, o jornal Le Monde revela a inverosímil (mas legal) montagem financeira, que permitiu à Ernest-Antoine Seillière e a uma dezena de quadros dirigentes do grupo Wendel deitarem a mão a 5% do capital do grupo e a compartilharem 324 milhões de euros…

Editis foi comprada a Lagardère em 2004 por 650 milhões de euros, este grupo é revendido, quatro anos mais tarde, por um pouco mais de mil milhões de euros. E tanto pior se Seillière jurara que Wendel estaria no capital da Editis por “pelo menos quinze anos”.

Mas desde o Verão de 2007, a sorte parece ter abandonado o duo Ernest-Antoine Seillière-Jean Bernard Lafonta. No início da crise de subprimes lançam-se ao assalto à Saint-Gobain. Atingem os 21% do capital. E à medida que a sua participação aumentava, a acção de Saint-Gobain caía, provocada pelo mergulho das Bolsas. A cotação de Wendel cai a fundo (- 33% desde há um ano) e precipita a venda da Editis. Para maior alegria da sua gestão. Ontem, ninguém na Wendel desejava responder às nossas perguntas. Com toda a transparência, é claro.

Grégoire Biseau, “Le pactole confisqué de la vente d'Editis”, Libération, 22.05.08

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